quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Carta aberta ao Senhor Primeiro Ministro de Portugal

Exmo Senhor Primeiro Ministro

Começo por me apresentar, uma vez que estou certa que nunca ouviu falar de mim. Chamo-me Myriam. Myriam Zaluar é o meu nome "de guerra". Basilio é o apelido pelo qual me conhecem os meus amigos mais antigos e também os que, não sendo amigos, se lembram de mim em anos mais recuados.

Nasci em França, porque o meu pai teve de deixar o seu país aos 20 e poucos anos. Fê-lo porque se recusou a combater numa guerra contra a qual se erguia. Fê-lo porque se recusou a continuar num país onde não havia liberdade de dizer, de fazer, de pensar, de crescer. Estou feliz por o meu pai ter emigrado, porque se não o tivesse feito, eu não estaria aqui. Nasci em França, porque a minha mãe teve de deixar o seu país aos 19 anos. Fê-lo porque não tinha hipóteses de estudar e desenvolver o seu potencial no país onde nasceu. Foi para França estudar e trabalhar e estou feliz por tê-lo feito, pois se assim não fosse eu não estaria aqui. Estou feliz por os meus pais terem emigrado, caso contrário nunca se teriam conhecido e eu não estaria aqui. Não tenho porém a ingenuidade de pensar que foi fácil para eles sair do país onde nasceram. Durante anos o meu pai não pôde entrar no seu país, pois se o fizesse seria preso. A minha mãe não pôde despedir-se de pessoas que amava porque viveu sempre longe delas. Mais tarde, o 25 de Abril abriu as portas ao regresso do meu pai e viemos todos para o país que era o dele e que passou a ser o nosso. Viemos para viver, sonhar e crescer.

Cresci. Na escola, distingui-me dos demais. Fui rebelde e nem sempre uma menina exemplar mas entrei na faculdade com 17 anos e com a melhor média daquele ano: 17,6. Naquela altura, só havia três cursos em Portugal onde era mais dificil entrar do que no meu. Não quero com isto dizer que era uma super-estudante, longe disso. Baldei-me a algumas aulas, deixei cadeiras para trás, saí, curti, namorei, vivi intensamente, mas mesmo assim licenciei-me com 23 anos. Durante a licenciatura dei explicações, fiz traduções, escrevi textos para rádio, coleccionei estágios, desperdicei algumas oportunidades, aproveitei outras, aprendi muito, esqueci-me de muito do que tinha aprendido.

Cresci. Conquistei o meu primeiro emprego sozinha. Trabalhei. Ganhei a vida. Despedi-me. Conquistei outro emprego, mais uma vez sem ajudas. Trabalhei mais. Saí de casa dos meus pais. Paguei o meu primeiro carro, a minha primeira viagem, a minha primeira renda. Fiquei efectiva. Tornei-me personna non grata no meu local de trabalho. "És provavelmente aquela que melhor escreve e que mais produz aqui dentro." - disseram-me - "Mas tenho de te mandar embora porque te ris demasiado alto na redacção". Fiquei.

Aos 27 anos conheci a prateleira. Tive o meu primeiro filho. Aos 28 anos conheci o desemprego. "Não há-de ser nada, pensei. Sou jovem, tenho um bom curriculo, arranjarei trabalho num instante". Não arranjei. Aos 29 anos conheci a precariedade. Desde então nunca deixei de trabalhar mas nunca mais conheci outra coisa que não fosse a precariedade. Aos 37 anos, idade com que o senhor se licenciou, tinha eu dois filhos, 15 anos de licenciatura, 15 de carteira profissional de jornalista e carreira 'congelada'. Tinha também 18 anos de experiência profissional como jornalista, tradutora e professora, vários cursos, um CAP caducado, domínio total de três línguas, duas das quais como "nativa". Tinha como ordenado 'fixo' 485 euros x 7 meses por ano. Tinha iniciado um mestrado que tive depois de suspender pois foi preciso escolher entre trabalhar para pagar as contas ou para completar o curso. O meu dia, senhor primeiro ministro, só tinha 24 horas...

Cresci mais. Aos 38 anos conheci o mobbying. Conheci as insónias noites a fio. Conheci o medo do amanhã. Conheci, pela vigésima vez, a passagem de bestial a besta. Conheci o desespero. Conheci - felizmente! - também outras pessoas que partilhavam comigo a revolta. Percebi que não estava só. Percebi que a culpa não era minha. Cresci. Conheci-me melhor. Percebi que tinha valor.

Senhor primeiro-ministro, vou poupá-lo a mais pormenores sobre a minha vida. Tenho a dizer-lhe o seguinte: faço hoje 42 anos. Sou doutoranda e investigadora da Universidade do Minho. Os meus pais, que deviam estar a reformar-se, depois de uma vida dedicada à investigação, ao ensino, ao crescimento deste país e das suas filhas e netos, os meus pais, que deviam estar a comprar uma casinha na praia para conhecerem algum descanso e descontracção, continuam a trabalhar e estão a assegurar aos meus filhos aquilo que eu não posso. Material escolar. Roupa. Sapatos. Dinheiro de bolso. Lazeres. Actividades extra-escolares. Quanto a mim, tenho actualmente como ordenado fixo 405 euros X 7 meses por ano. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. A universidade na qual lecciono há 16 anos conseguiu mais uma vez reduzir-me o ordenado. Todo o trabalho que arranjo é extra e a recibos verdes. Não sou independente, senhor primeiro ministro. Sempre que tenho extras tenho de contar com apoios familiares para que os meus filhos não fiquem sozinhos em casa. Tenho uma dívida de mais de cinco anos à Segurança Social que, por sua vez, deveria ter fornecido um dossier ao Tribunal de Família e Menores há mais de três a fim que os meus filhos possam receber a pensão de alimentos a que têm direito pois sou mãe solteira. Até hoje, não o fez.

Tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: nunca fui administradora de coisa nenhuma e o salário mais elevado que auferi até hoje não chegava aos mil euros. Isto foi ainda no tempo dos escudos, na altura em que eu enchia o depósito do meu renault clio com cinco contos e ia jantar fora e acampar todos os fins-de-semana. Talvez isso fosse viver acima das minhas possibilidades. Talvez as duas viagens que fiz a Cabo-Verde e ao Brasil e que paguei com o dinheiro que ganhei com o meu trabalho tivessem sido luxos. Talvez o carro de 12 anos que conduzo e que me custou 2 mil euros a pronto pagamento seja um excesso, mas sabe, senhor primeiro-ministro, por mais que faça e refaça as contas, e por mais que a gasolina teime em aumentar, continua a sair-me mais em conta andar neste carro do que de transportes públicos. Talvez a casa que comprei e que devo ao banco tenha sido uma inconsciência mas na altura saía mais barato do que arrendar uma, sabe, senhor primeiro-ministro. Mesmo assim nunca me passou pela cabeça emigrar...

Mas hoje, senhor primeiro-ministro, hoje passa. Hoje faço 42 anos e tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: Tenho mais habilitações literárias que o senhor. Tenho mais experiência profissional que o senhor. Escrevo e falo português melhor do que o senhor. Falo inglês melhor que o senhor. Francês então nem se fale. Não falo alemão mas duvido que o senhor fale e também não vejo, sinceramente, a utilidade de saber tal língua. Em compensação falo castelhano melhor do que o senhor. Mas como o senhor é o primeiro-ministro e dá tão bons conselhos aos seus governados, quero pedir-lhe um conselho, apesar de não ter votado em si. Agora que penso emigrar, que me aconselha a fazer em relação aos meus dois filhos, que nasceram em Portugal e têm cá todas as suas referências? Devo arrancá-los do seu país, separá-los da família, dos amigos, de tudo aquilo que conhecem e amam? E, já agora, que lhes devo dizer? Que devo responder ao meu filho de 14 anos quando me pergunta que caminho seguir nos estudos? Que vale a pena seguir os seus interesses e aptidões, como os meus pais me disseram a mim? Ou que mais vale enveredar já por outra via (já agora diga-me qual, senhor primeiro-ministro) para que não se torne também ele um excedentário no seu próprio país? Ou, ainda, que venha comigo para Angola ou para o Brasil por que ali será com certeza muito mais valorizado e feliz do que no seu país, um país que deveria dar-lhe as melhores condições para crescer pois ele é um dos seus melhores - e cada vez mais raros - valores: um ser humano em formação.

Bom, esta carta que, estou praticamente certa, o senhor não irá ler já vai longa. Quero apenas dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro: aos 42 anos já dei muito mais a este país do que o senhor. Já trabalhei mais, esforcei-me mais, lutei mais e não tenho qualquer dúvida de que sofri muito mais. Ganhei, claro, infinitamente menos. Para ser mais exacta o meu IRS do ano passado foi de 4 mil euros. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. No ano passado ganhei 4 mil euros. Deve ser das minhas baixas qualificações. Da minha preguiça. Da minha incapacidade. Do meu excedentarismo. Portanto, é o seguinte, senhor primeiro-ministro: emigre você, senhor primeiro-ministro. E leve consigo os seus ministros. O da mota. O da fala lenta. O que veio do estrangeiro. E o resto da maralha. Leve-os, senhor primeiro-ministro, para longe. Olhe, leve-os para o Deserto do Sahara. Pode ser que os outros dois aprendam alguma coisa sobre acordos de pesca.

Com o mais elevado desprezo e desconsideração, desejo-lhe, ainda assim, feliz natal OU feliz ano novo à sua escolha, senhor primeiro-ministro

e como eu sou aqui sem dúvida o elo mais fraco, adeus

Myriam Zaluar, 19/12/2011

sábado, 17 de dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Eduardo Lourenço

"A Europa real é uma colecção de identidades que já não têm a capacidade de se viver plenamente como nações, nem a força de querer e de imaginar a futura Europa como uma nova espécie de nação"

"Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem, Portugal precisa dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes (Voyants no sentido de Rimbaud) e, outras, à pura inconsciência, para estar à altura de si mesmo. Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda os sonhos"

Eduardo Lourenço eleito Prémio Pessoa

É o 25.º premiado com o Prémio Pessoa, uma iniciativa do Expresso em colaboração com a Caixa Geral de Depósitos.
Eduardo Lourenço de Faria, 88 anos e uma vasta obra publicada, foi a escolha do júri deste ano. A reedição, pela Fundação Caloustre Gulbenkian, da sua obra completa - num total de 38 volumes - foi o motivo mais imediato para a atribuição do prémio.
Um trabalho 'ciclópico', como afirmaram os responsáveis científicos da Fundação Calouste Gulbenkian que este ano iniciaram a publicação da obra. De facto, são 38 volumes de ensaios político-filosóficos escritos entre os anos de 1945 e 2010, de um autor que apesar da sua enorme projecção internacional permanece "pouco lido em Portugal", justifica a Gulbenkian.

Eduardo Lourenço nasceu numa pequena aldeia da Beira Alta, em 1923. Cedo radicado em França, permaneceu sempre fortemente ligado a Portugal.

"Fico furioso", afirmou recentemente em entrevista, quando questionado sobre o facto de poder ser considerado exilado. Ainda este ano, na sua aldeia, foi homenageado como figura ímpar da cultura nacional.
O Prémio Pessoa tem, este ano, o valor de 60 mil euros.

25ª edição do Prémio Pessoa

Eduardo Lourenço é o Prémio Pessoa 2011. O Prémio Pessoa é concedido anualmente à pessoa de nacionalidade portuguesa que durante esse período e na sequência de uma atividade anterior tiver sido protagonista de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do País. Esta é a 25.ª edição do Prémio Pessoa.
Escreve o Júri: "Num momento crítico da História e da sociedade portuguesa, torna-se imperioso e urgente prestar reconhecimento ao exemplo de uma personalidade intelectual, cultural, ética e cívica que marcou o século XX português.
Eduardo Lourenço foi membro deste Júri desde o primeiro dia até 1993, tendo saído por vontade própria. A sua presença prestigiou o Prémio, que este ano celebra 25 anos de vida. O Prémio prestigia agora a sua presença e a sua intervenção na sociedade, ao longo de décadas de dedicação, labor e curiosidade intelectual, que o levaram à constituição de uma obra filosófica, ensaística e literária sem paralelo.
Entende o Júri homenagear ainda a generosidade e a modéstia desta sabedoria, que tendo deixado uma marca universal nos Estudos Portugueses e nos Estudos Pessoanos, nunca desdenhou a heteredoxia nem as grandes questões do nosso tempo e da nossa identidade. Em 2011, a Fundação Gulbenkian iniciou a publicação das suas 'Obras Completas', sendo que ao I Volume das Heteredoxias o autor acrescentou textos posteriores ao original, obra fundadora do pensamento cultural português.
Eduardo Lourenço é um português de que os portugueses se podem e devem orgulhar. O espírito de Eduardo Lourenço foi sempre reforçado pela sua cidadania atenta e atuante.
Portugal precisa de vozes como esta. E de obras como esta", pode ler-se na ata da reunião do júri.
O "Prémio Pessoa" é uma iniciativa anual do jornal EXPRESSO com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos, cuja designação se inspira no nome de Fernando Pessoa, e que se propõe reconhecer a atividade de pessoas portuguesas com papel significativo na vida cultural e científica do país. Contra a corrente de uma velha tradição nacional, segundo a qual a projeção de algumas obras da maior importância só foi verdadeiramente alcançada depois da morte dos seus autores - e foi esse, precisamente, o caso de Fernando Pessoa -, o Prémio Pessoa pretende representar uma nova atitude, um novo gesto, no reconhecimento contemporâneo das intervenções culturais e científicas produzidas por portugueses.
O júri do Prémio Pessoa 2011 é constituído por: Francisco Pinto Balsemão (Presidente); Fernando Faria de Oliveira (Vice-Presidente); António Barreto; Clara Ferreira Alves; Diogo Lucena; João Lobo Antunes; José Luís Porfírio; Maria de Sousa; Mário Soares; Miguel Veiga; Rui Magalhães Baião.
O "Prémio Pessoa 2011" é constituído por um diploma e uma dotação em dinheiro no valor de 60.000 euros.
Esta é a 25.ª edição do Prémio Pessoa. A lista dos galardoados é composta pelos seguintes nomes:

1987 - José Mattoso
1988 - António Ramos Rosa
1989 - Maria João Pires
1990 - Menez
1991 - Cláudio Torres
1992 - António e Hanna Damásio
1993 - Fernando Gil
1994 - Herberto Helder
1995 - Vasco Graça Moura
1996 - João Lobo Antunes
1997 - José Cardoso Pires
1998 - Eduardo Souto Moura
1999 - Manuel Alegre e José Manuel Rodrigues
2000 - Emanuel Nunes
2001 - João Bénard da Costa
2002 - Manuel Sobrinho Simões
2003 - José Joaquim Gomes Canotilho
2004 - Mário Cláudio
2005 - Luís Miguel Cintra
2006 - António Câmara
2007 - Irene Flunser Pimentel
2008 - João Luís Carrilho da Graça
2009 - D. Manuel Clemente
2010 - Maria do Carmo Fonseca
2011 - Eduardo Lourenço


Ler mais: http://aeiou.expresso.pt/eduardo-lourenco-eleito-premio-pessoa-com-fotogaleria=f694742#ixzz1ghOM6H00

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Perigo na barragem do Lapão, em Mortágua

Em resposta à pergunta dos deputados do PS eleitos pelo círculo de Viseu sobre a reabilitação da barragem do Lapão, em Mortágua, o governo respondeu que não irá efectuar qualquer investimento na respectiva infraestrutura.
“Isto é grave, pois, como se sabe, esta barragem constitui uma ameaça para as populações a jusante em caso de chuva torrencial que venha a obstruir o actual canal de escoamento” – diz o deputado Acácio Pinto a esse respeito. Acrescenta: “Para além disso, o governo mente na sua resposta porquanto diz que os orçamentos de estado anteriores não tinham verbas para tais obras quando se sabe que o de 2011 previa verbas plurianuais (para 2011 e seguintes) no sentido de executar tais obras”.
Para confirmar tal facto, remete atenção para a resposta dada ao deputado Hélder Amaral no início de 2011 em que se referem as verbas previstas no OE, clicar
“Além de tratar um problema grave com ligeireza, e direi, mesmo, irresponsabilidade política, o governo ainda mente sobre os factos”, refere Acácio Pinto.

faroldanossaterra.net

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011