sexta-feira, 23 de abril de 2010

E se isto nunca mudar?

A absolvição de Domingos Névoa, quando todas as provas foram recolhidas, é um sinal de complacência com a corrupção. E parece dar razão a todos os pessimistas: isto nunca vai mudar.
No mesmo momento em que o Parlamento, cheio de frases bondosas e pias intenções, aprovava um pacote anticorrupção, o Tribunal da Relação de Lisboa anunciava a absolvição de Domingos Névoa.


Para que não haja confusão: o tribunal deu como provados todos os factos essenciais. Dá-se o pormenor dos juízes considerarem que um empresário tentar pagar a alguém com responsabilidades políticas para que este mude publicamente de posição sobre um negócio em que está envolvido não consiste um acto de corrupção. Apenas porque não há, na consequência desse pagamento, nenhum acto administrativo da competência do político.

O que o tribunal disse a todos os corruptores (e a todos os portugueses) é que é legal comprar posições públicas dos decisores que nós elegemos. Que a nossa democracia está à venda, disponível para os caprichos dos domingos névoas desta Pátria.

Ricardo Sá Fernandes, o homem que denunciou a tentativa de corrupção, acabou por não ver a justiça feita e ainda pagou 10 mil euros ao dono da Bragaparques. Já o empresário saiu satisfeito e ainda se fez de vítima de calúnias. Apesar de, como já disse, tudo ter ficado provado.

O que o tribunal disse a todos os que sejam abordados por um corruptor (e a todos os portugueses) é que a luta contra a corrupção não é um dever de cidadania. É uma carga de trabalhos sem qualquer consequência. Mesmo que todas as provas estejam lá.

Vale a pena ver a reportagem que a SIC passou esta semana sobre o tema: crime sem castigo . É isto mesmo: é um crime que nunca é castigado. O primeiro corruptor de um decisor político sobre o qual se conseguiram reunir todas as provas safou-se. Depois disto, quem acredita que alguém será condenado?

O problema não são as leis. O problema não é apenas a falta de meios de investigação. O problema é um país complacente com a corrupção. Em que quem a denuncia é tratado com desconfiança e quem corrompe com indiferença e até, por vezes, admiração.

Não sou dado a discursos catastrofistas. Mas há dias em que se perde a esperança de dar a este País alguma dignidade. Em que se começa a acreditar que a nossa sina é viver num eterno atraso onde só os chicos-espertos podem vingar. Há dias em que pensamos que não vale a pena. Que a única forma de mudar é sair daqui e entregar isto aos névoas, aos ruis pedros soares , aos godinhos. Há dias em que sentimos que não temos direito à esperança de deixar um país decente aos nossos filhos e só nos resta esperar que eles consigam ir embora à primeira oportunidade.

Acordamos, no dia seguinte, e tentamos acreditar que, com muita persistência, a democracia, ainda sequestrada por gente sem valores nem escrúpulos, acabará por se impor. E conseguiremos estancar a sangria de recursos que a corrupção provoca. Temos de ser optimistas. Mas há dias em que custa acreditar que alguma vez vai ser diferente.

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