De acordo com o Anuário Estatístico de Portugal 2008, foram decretados, nesse ano, no país, 26.885 divórcios. Quantos desses poderão ter sido influenciados pelas redes sociais? Não se sabe. Ricardo Marques Candeias, fundador do serviço português online Divorcionet (www.divorcionet.pt) diz que a maior parte dos casos que lhe chegam são de separações por mútuo acordo. Nessas situações, garante, nem quer saber o motivo. Quando as razões apontadas pelo casal para pôr fim à relação transparecem no processo, são quase sempre as mesmas. "A rotina, o aparecimento de uma terceira pessoa ou questões económicas", assume.
O advogado admite já ter ouvido falar de casos de separação que envolveram o uso de redes sociais, mas nunca lhe passou pelas mãos situações como as que foram divulgadas pelo jornal inglês The Sun: uma mulher britânica, de 35 anos, descobriu que o marido avançara com o processo de divórcio pelo Facebook; outra mulher, de 28 anos, terminou com o casamento depois de descobrir que o marido dormia, virtualmente, com uma acompanhante no Second Life. "Mas já tive um cliente que chegou ao escritório com uma resma imensa de papéis, que ele imprimiu, e que eram conversas no Messenger entre a mulher e uma pessoa por quem ela se encantara", diz. Neste caso, conclui, "houve um divórcio por mútuo acordo".
O caso mais estranho que recorda foi o de um informático que, desconfiado das horas que a mulher passava no computador, descobriu que ela se inscrevera num "clube de amizade" online. "Ele foi ao "histórico" das conversas e percebeu que a amizade estava perto de se tornar em algo mais sério. A partir de determinada altura, tornou-se evidente que existira um contacto físico com uma pessoa desse clube", conta o advogado.
Nada que surpreendesse a psicóloga clínica e sexóloga Ana Carvalheira, que em 2005 defendeu a tese de doutoramento Relações interpessoais e comportamentos sexuais através da Internet. Partindo de uma amostra de 1266 utilizadores de chats - cinquenta por cento do sexo masculino e a outra metade do sexo feminino -, concluiu que 74,5 por cento deles tiveram uma relação na Internet e, destes, 84,7 por cento passara para o contexto offline. O trabalho de Carvalheira mostrou ainda que 56,2 por cento dos inquiridos acabaram por ter encontros sexuais off-line com pessoas conhecidas pela Internet. "As redes sociais não fazem muita diferença dos chats e do Messenger. São noções diferentes do mesmo fenómeno", diz a especialista ao P2.
Ana Carvalheira recorda que as principais motivações para o uso das ferramentas online se prendiam com "encontrar pessoas com os mesmos interesses, manter relações on-line, procurar parceiros para relações offline". A Net, diz, "é apenas mais um espaço social que permite o encontro entre as pessoas". E acrescenta que não é difícil extrapolar que, "da mesma forma que permite esses encontros que, de outra forma, nunca aconteceriam, também permite desfazer relações".
Sem dados para estabelecer se, em Portugal, as redes sociais poderão estar a ser usadas como motivo para divórcios, a psicóloga clínica pede cautela nessa associação. "A Internet tem algumas características especiais - o anonimato, a ausência de interacção física, a possibilidade de chegar a muitas pessoas de forma imediata -, mas penso que é apenas mais um meio de encontro. O enamoramento é fácil, a idealização do outro é enorme, o outro é muito construído. Mas, quando estas relações saem para o offline, estão sujeitas exactamente às mesmas vicissitudes do que todas as outras", avisa.
Somos mais exigentes
A socióloga Anália Torres, autora do livro Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos - uma análise sociológica confirma que, por cá, o divórcio tem assumido novos contornos. Mas não os associa directamente à intervenção da Internet na vida dos casais. "As redes sociais são uma maneira de encontrar pessoas, mas não pode ser estabelecida uma relação de causalidade [entre elas e o aumento de divórcios em Portugal]. É verdade que há mais meios para as pessoas encontrarem outras sem saírem de casa, mas não se pode dizer que uma coisa [as redes sociais] produziu a outra [o aumento de divórcio]. Há, sim, maior facilidade de encontros."
O que se passou em Portugal, defende a socióloga, é que um conjunto de factores muito diversos levou a que "as pessoas cada vez menos tolerem estar em relações conjugais de mal-estar permanente", diz. Este aumento de exigência, associado à legalização do divórcio, no período pós-25 de Abril, e ao facto de as pessoas (sobretudo as mulheres) estarem "cada vez menos dependentes do casamento como modo de vida" são as principais razões para os portugueses se divorciarem mais, defende Anália Torres. O número de divórcios duplicou de 1990 para o ano 2000, mantendo uma tendência crescente, ainda que mais moderada, desde essa altura.
Pelo escritório de Maria Filomena Neto, nunca passou nenhum caso de divórcio sustentado nas redes sociais. Nem sequer um caso em que as informações partilhadas em redes como o Facebook, o Hi5, o Twitter ou o MySpace fossem utilizadas como provas em processos litigiosos. Mas esta não é uma preocupação alheia à advogada. "Já disse a dois clientes que se utilizarem as redes sociais estejam absolutamente seguros que o que lá colocam pode ser visto por toda a gente. O problema com estas redes é a falsa sensação de segurança que criam. É muito mais fácil, através destes meios, as pessoas fazerem confidências ao interlocutor, esquecendo-se de que o interlocutor é o mundo", diz.
Recentemente, a agência noticiosa Reuters revelou que a American Academy of Matrimonial Lawyers (Associação dos Advogados Matrimoniais) avisara que, nos últimos cinco anos, houve um aumento da utilização de dados colocados nas redes sociais em processos de litígio de casais - especialmente em casos que envolvem a custódia dos filhos. "Um processo de divórcio implica níveis elevados de escrutínio pessoal. Se se publica um post com informações que contradigam declarações ou promessas feitas previamente, o membro do casal que está a ser enganado será, certamente, uma das primeiras pessoas a reparar e a usar esses dados como prova", explicou a presidente da associação, Marlene Eskind Moses, à Reuters. No topo das redes sociais às quais os advogados norte-americanos recorrem, em busca de provas, surge, de novo, o Facebook, seguido do MySpace e do Hi5.
Por isso, o aviso que Kenneth Altshuler, vice-presidente daquela associação norte-americana, faz aos clientes é ainda mais veemente do que o de Maria Filomena Neto. "O meu primeiro conselho para os meus clientes é: encerrem a vossa página de Facebook", diz, citado pela Reuters. Altshuler cita exemplos que justificam a preocupação: o caso de uma mulher que lutava pela custódia do filho e que dissera, em tribunal, que estava comprometida, escrevendo, depois, na página pessoal do Facebook, que acabara de se separar de um namorado que a maltratava e que andava agora em busca de um homem rico. Ou o de um homem, também a lutar pela custódia de um filho, que dissera ser um ex-alcoólico e fora confrontado com fotografias suas, colocadas no Facebook, em que aparecia a beber numa festa do escritório. "Os juízes perdoam falhas humanas, mas não mentiras", disse o advogado.
As cinco regras
Por cá, os portugueses correm o mesmo risco de verem os textos ou fotografias colocados nas redes sociais expostos em processos judiciais de divórcio. Guilherme Oliveira, especialista em Direito da Família, diz que ainda "não há muita experiência" nestes casos, a nível nacional, mas admite que a utilização deste tipo de provas possa ser aceite por um juiz. "Uma rede social, mesmo que seja um espaço relativamente fechado, a que se acede por convite, não é tão fechado como uma carta. E a verdade é que em processos de divórcio a tendência é que as provas tenham sempre alguma dose de violação da intimidade da vida privada. Todos os argumentos avaliados em tribunal são coisas discretas ou secretas", justifica. Por isso, acrescenta: "Admito que esse tipo de prova seja valorado pelo tribunal."
Nos Estados Unidos, onde o fenómeno parece estar já amplamente instalado, um blogue nova-iorquino sobre divórcios, o New York Divorce Report, publicou já um conjunto de cinco regras para quem usa redes sociais e está em processo de divórcio. A saber: não se gabe (se diz a um juiz que não tem dinheiro, não pode depois gabar-se no Facebook das compras extravagantes que fez); não coloque online referências a qualquer tipo de festas (na altura de decidir a custódia das crianças, um juiz não simpatizará muito com quem aparece alcoolizado na Net); tenha cuidado com as amizades que aceita na sua rede social (diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, lá diz o ditado); mantenha os detalhes do divórcio na esfera privada; não "desamigue" (as pessoas precisam de tempo para se ajustar, e retirar da lista de amizades, por exemplo, os ex-sogros pode causar problemas).De acordo com o Anuário Estatístico de Portugal 2008, foram decretados, nesse ano, no país, 26.885 divórcios. Quantos desses poderão ter sido influenciados pelas redes sociais? Não se sabe. Ricardo Marques Candeias, fundador do serviço português online Divorcionet (www.divorcionet.pt) diz que a maior parte dos casos que lhe chegam são de separações por mútuo acordo. Nessas situações, garante, nem quer saber o motivo. Quando as razões apontadas pelo casal para pôr fim à relação transparecem no processo, são quase sempre as mesmas. "A rotina, o aparecimento de uma terceira pessoa ou questões económicas", assume.
O advogado admite já ter ouvido falar de casos de separação que envolveram o uso de redes sociais, mas nunca lhe passou pelas mãos situações como as que foram divulgadas pelo jornal inglês The Sun: uma mulher britânica, de 35 anos, descobriu que o marido avançara com o processo de divórcio pelo Facebook; outra mulher, de 28 anos, terminou com o casamento depois de descobrir que o marido dormia, virtualmente, com uma acompanhante no Second Life. "Mas já tive um cliente que chegou ao escritório com uma resma imensa de papéis, que ele imprimiu, e que eram conversas no Messenger entre a mulher e uma pessoa por quem ela se encantara", diz. Neste caso, conclui, "houve um divórcio por mútuo acordo".
O caso mais estranho que recorda foi o de um informático que, desconfiado das horas que a mulher passava no computador, descobriu que ela se inscrevera num "clube de amizade" online. "Ele foi ao "histórico" das conversas e percebeu que a amizade estava perto de se tornar em algo mais sério. A partir de determinada altura, tornou-se evidente que existira um contacto físico com uma pessoa desse clube", conta o advogado.
Nada que surpreendesse a psicóloga clínica e sexóloga Ana Carvalheira, que em 2005 defendeu a tese de doutoramento Relações interpessoais e comportamentos sexuais através da Internet. Partindo de uma amostra de 1266 utilizadores de chats - cinquenta por cento do sexo masculino e a outra metade do sexo feminino -, concluiu que 74,5 por cento deles tiveram uma relação na Internet e, destes, 84,7 por cento passara para o contexto offline. O trabalho de Carvalheira mostrou ainda que 56,2 por cento dos inquiridos acabaram por ter encontros sexuais off-line com pessoas conhecidas pela Internet. "As redes sociais não fazem muita diferença dos chats e do Messenger. São noções diferentes do mesmo fenómeno", diz a especialista ao P2.
Ana Carvalheira recorda que as principais motivações para o uso das ferramentas online se prendiam com "encontrar pessoas com os mesmos interesses, manter relações on-line, procurar parceiros para relações offline". A Net, diz, "é apenas mais um espaço social que permite o encontro entre as pessoas". E acrescenta que não é difícil extrapolar que, "da mesma forma que permite esses encontros que, de outra forma, nunca aconteceriam, também permite desfazer relações".
Sem dados para estabelecer se, em Portugal, as redes sociais poderão estar a ser usadas como motivo para divórcios, a psicóloga clínica pede cautela nessa associação. "A Internet tem algumas características especiais - o anonimato, a ausência de interacção física, a possibilidade de chegar a muitas pessoas de forma imediata -, mas penso que é apenas mais um meio de encontro. O enamoramento é fácil, a idealização do outro é enorme, o outro é muito construído. Mas, quando estas relações saem para o offline, estão sujeitas exactamente às mesmas vicissitudes do que todas as outras", avisa.
Somos mais exigentes
A socióloga Anália Torres, autora do livro Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos - uma análise sociológica confirma que, por cá, o divórcio tem assumido novos contornos. Mas não os associa directamente à intervenção da Internet na vida dos casais. "As redes sociais são uma maneira de encontrar pessoas, mas não pode ser estabelecida uma relação de causalidade [entre elas e o aumento de divórcios em Portugal]. É verdade que há mais meios para as pessoas encontrarem outras sem saírem de casa, mas não se pode dizer que uma coisa [as redes sociais] produziu a outra [o aumento de divórcio]. Há, sim, maior facilidade de encontros."
O que se passou em Portugal, defende a socióloga, é que um conjunto de factores muito diversos levou a que "as pessoas cada vez menos tolerem estar em relações conjugais de mal-estar permanente", diz. Este aumento de exigência, associado à legalização do divórcio, no período pós-25 de Abril, e ao facto de as pessoas (sobretudo as mulheres) estarem "cada vez menos dependentes do casamento como modo de vida" são as principais razões para os portugueses se divorciarem mais, defende Anália Torres. O número de divórcios duplicou de 1990 para o ano 2000, mantendo uma tendência crescente, ainda que mais moderada, desde essa altura.
Pelo escritório de Maria Filomena Neto, nunca passou nenhum caso de divórcio sustentado nas redes sociais. Nem sequer um caso em que as informações partilhadas em redes como o Facebook, o Hi5, o Twitter ou o MySpace fossem utilizadas como provas em processos litigiosos. Mas esta não é uma preocupação alheia à advogada. "Já disse a dois clientes que se utilizarem as redes sociais estejam absolutamente seguros que o que lá colocam pode ser visto por toda a gente. O problema com estas redes é a falsa sensação de segurança que criam. É muito mais fácil, através destes meios, as pessoas fazerem confidências ao interlocutor, esquecendo-se de que o interlocutor é o mundo", diz.
Recentemente, a agência noticiosa Reuters revelou que a American Academy of Matrimonial Lawyers (Associação dos Advogados Matrimoniais) avisara que, nos últimos cinco anos, houve um aumento da utilização de dados colocados nas redes sociais em processos de litígio de casais - especialmente em casos que envolvem a custódia dos filhos. "Um processo de divórcio implica níveis elevados de escrutínio pessoal. Se se publica um post com informações que contradigam declarações ou promessas feitas previamente, o membro do casal que está a ser enganado será, certamente, uma das primeiras pessoas a reparar e a usar esses dados como prova", explicou a presidente da associação, Marlene Eskind Moses, à Reuters. No topo das redes sociais às quais os advogados norte-americanos recorrem, em busca de provas, surge, de novo, o Facebook, seguido do MySpace e do Hi5.
Por isso, o aviso que Kenneth Altshuler, vice-presidente daquela associação norte-americana, faz aos clientes é ainda mais veemente do que o de Maria Filomena Neto. "O meu primeiro conselho para os meus clientes é: encerrem a vossa página de Facebook", diz, citado pela Reuters. Altshuler cita exemplos que justificam a preocupação: o caso de uma mulher que lutava pela custódia do filho e que dissera, em tribunal, que estava comprometida, escrevendo, depois, na página pessoal do Facebook, que acabara de se separar de um namorado que a maltratava e que andava agora em busca de um homem rico. Ou o de um homem, também a lutar pela custódia de um filho, que dissera ser um ex-alcoólico e fora confrontado com fotografias suas, colocadas no Facebook, em que aparecia a beber numa festa do escritório. "Os juízes perdoam falhas humanas, mas não mentiras", disse o advogado.
As cinco regras
Por cá, os portugueses correm o mesmo risco de verem os textos ou fotografias colocados nas redes sociais expostos em processos judiciais de divórcio. Guilherme Oliveira, especialista em Direito da Família, diz que ainda "não há muita experiência" nestes casos, a nível nacional, mas admite que a utilização deste tipo de provas possa ser aceite por um juiz. "Uma rede social, mesmo que seja um espaço relativamente fechado, a que se acede por convite, não é tão fechado como uma carta. E a verdade é que em processos de divórcio a tendência é que as provas tenham sempre alguma dose de violação da intimidade da vida privada. Todos os argumentos avaliados em tribunal são coisas discretas ou secretas", justifica. Por isso, acrescenta: "Admito que esse tipo de prova seja valorado pelo tribunal."
Nos Estados Unidos, onde o fenómeno parece estar já amplamente instalado, um blogue nova-iorquino sobre divórcios, o New York Divorce Report, publicou já um conjunto de cinco regras para quem usa redes sociais e está em processo de divórcio. A saber: não se gabe (se diz a um juiz que não tem dinheiro, não pode depois gabar-se no Facebook das compras extravagantes que fez); não coloque online referências a qualquer tipo de festas (na altura de decidir a custódia das crianças, um juiz não simpatizará muito com quem aparece alcoolizado na Net); tenha cuidado com as amizades que aceita na sua rede social (diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, lá diz o ditado); mantenha os detalhes do divórcio na esfera privada; não "desamigue" (as pessoas precisam de tempo para se ajustar, e retirar da lista de amizades, por exemplo, os ex-sogros pode causar problemas).
publico
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