Carlos Cruz apoiou-se ligeiramente na barra, quando ouviu a juíza Ana Peres ditar-lhe a sentença de sete anos de prisão. Carlos Silvino, o único arguido que não se levantou para ouvir a pena, esteve sempre a tirar notas num bloco A4. Jorge Ritto, Manuel Abrantes, Ferreira Diniz e Hugo Marçal mantiveram a expressão fechada. Gertrudes Nunes, absolvida por razões técnicas, e não por convicção do tribunal de que estivesse isenta de culpa, chorou copiosamente.
Foram penas pesadas as que sexta-feira o tribunal aplicou a seis dos sete arguidos do processo Casa Pia. Penas que originaram reacções violentas dos arguidos - Manuel Abrantes chegou a dizer que a partir de hoje começa a sua "caça ao homem" contra quem lhe lançou "esta maldição" - e que os advogados de defesa consideraram não terem sido devidamente justificadas pelo tribunal.
Assim que Ana Peres se preparava para encerrar a sessão, Ricardo Sá Fernandes (um dos advogados de Carlos Cruz) pediu a palavra alegando nulidade. As leis processuais permitem que, quando o acórdão é extenso, seja lida apenas uma súmula, mas Sá Fernandes sustentou que não houve uma verdadeira fundamentação, mas apenas "referências descosidas, notas desgarradas, com considerações psicologicamente vagas" para justificar as condenações.
O advogado foi ao ponto de questionar se a fundamentação estaria escrita, sendo prontamente interrompido por Ana Peres. Habitualmente calma, e com um tom de voz baixo, a presidente do colectivo exaltou-se: "Isso é que não, senhor doutor!" Interrompendo a arguição de nulidade que o advogado ditava para a acta, a juíza decidiu, mesmo sob protesto de Sá Fernandes, que só poderia continuar por escrito.
A única absolvida Gertrudes Nunes, proprietária da famosa casa de Elvas onde foram cometidos abusos, foi a única arguida que saiu do tribunal em liberdade. A explicação está numa alteração legislativa de 2007, em que passou a ser considerado que para haver prática do crime de lenocínio (incentivo à prostituição) tem de haver dolo, ou seja, intencionalidade. "Por essa razão é absolvida de todos os crimes", explicou Ana Peres.
Antes, a magistrada tinha tecido largas considerações sobre a casa e as razões para acreditar que os factos descritos pelas vítimas foram verdadeiros. A interpretação cruzada e global dos testemunhos foi a chave da decisão, tendo o tribunal admitido que seria impossível uma "certeza absoluta" do que aconteceu .
À excepção de Carlos Silvino, que confessou parte dos crimes, os restantes cinco condenados anunciaram o já esperado recurso. Carlos Cruz deu uma conferência de imprensa em que se chegou a comparar a decisão aos tribunais plenários do Estado Novo , enquanto Manuel Abrantes, transtornado, admitia recorrer a outras armas. "Quem me fez mal vai ter de pagar", repetiu, dizendo que se sente livre das regras do tribunal a que esteve sujeito.
Satisfeitos mostraram-se "os rapazes". Sete estiveram sentados atrás dos advogados, mas mais alguns misturaram-se com a assistência. No final, Francisco Guerra fez questão de dar a cara e o nome aos jornalistas, numa declaração em que a expressão mais usada foi "valeu a pena". "O dia de hoje [ontem] prova que o que dissemos é verdade."
Referindo a certa altura o visível sofrimento a que as vítimas estiveram sujeitas, a juíza Ana Peres terminou a decisão condenando os arguidos a pagar indemnizações que variam entre 15 e 25 mil euros a cada vítima. Mas todos foram absolvidos nos pedidos que eram feitos pela instituição, que não sai bem na fotografia. "A Casa Pia teve responsabilidades no que se passou", sublinhou Ana Peres.
A juíza explicou ter ficado claro que não houve suficiente atenção ao que se passava com as crianças, mas acrescentou que essa ignorância não é sinónimo de negligência. Fazendo o paralelismo com a família, Ana Peres sublinhou que "nem sempre os pais se apercebem do que está a acontecer" com os filhos, apesar de os acompanharem de forma mais intensa do que acontece num colégio. Adelino Granja - antigo aluno da Casa Pia, que colaborou na denúncia dos abusos - reagiu dizendo que o Estado "devia ser condenado pelo que aconteceu", depois de o tribunal se pronunciar.
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