No final da tarde de Agosto de 1385, estavam, não muito longe de Leiria e de Lisboa, 6500 portugueses e aliados, incluindo centenas de arqueiros ingleses, com os seus imponentes arcos de dois metros. Do outro lado, 30 mil castelhanos e soldados de fortuna, vindos de Itália e da França.
A batalha foi, em si mesma, revolucionária.
Confirmava-se o triunfo da infantaria e da artilharia ligeira, com consequências políticas imediatas. Como em Crécy, Azincourt, Poitiers, Nicopolis, onde a nobreza armada da França sucumbiu a 50 mil flechas por minuto, provava-se que simples camponeses podiam derrotar os senhores feudais, seus pajens e cavaleiros favoritos.
Nascia uma nova era na Europa.
Na crise da independência, em 1384, Nun'Álvares apoiou as pretensões de João I junto das Cortes.
Aí se defrontavam - como bem mostrou Marcello Caetano, em vários textos de História do Direito - as noções de legalidade e de legitimidade.
A primeira, girando em torno das regras comuns de sucessão dinástica, colocava João de Portugal como candidato "ilegal" ao trono, filho bastardo que era de D. Pedro, e tendo em conta que D. Fernando falecera sem herdeiros directos, para além de Beatriz, casada com o rei de Castela.
Este, pelo matrimónio, chegava à Coroa. Respeitava-se a lei internacionalista das monarquias, mas Portugal perdia a sua independência de dois séculos.
Mas, como defendeu João das Regras, e os outros juristas e tribunos portugueses, havia uma alternativa.
Uma alternativa nacional.
Ilegal, do ponto de vista de reis e rainhas.
Legítima, face a uma ideia que viria a ser consagrada, vários séculos depois, nas revoluções burguesas do Ocidente: a de soberania popular.
Essa alternativa venceu nas Cortes de Coimbra de 1385, o parlamento da época, pela lei da grei.
Mas esta foi só uma parte da vida de Nun'Álvares.
A vida da espada.
Com mais de 60 anos, viúvo da mulher que sempre adorou, meditando sobre a alma e o futuro, Nuno tornou-se irmão leigo da Ordem do Carmelo.
Desaparecia o marechal vitorioso, e erguia-se, aspirando aos céus, um humilde monge, enclausurado no Convento do Carmo, que fundara. Dedicou o resto dos seus dias aos pobres e aos desvalidos.
Beatificado no fim da I Guerra, pelo Papa "internacionalista" que inspirou Josef Ratzinger, Bento XV, Nun'Álvares aparecia como o condutor da "guerra justa", de resistência, que morreu em paz. Que pediu perdão pelas mortes de amigos e inimigos. Que se reconciliou com a Humanidade.
É lógico que a canonização se dê com Bento XVI.
Será no dia 26 de Abril. Na multidão que aplaudirá o novo Santo, estarão muitos portugueses.
Os crentes, que verão Nuno de Santa Maria feito para Deus.
Os outros, que olharão o herói nacional.
O herói que, já velho, terá sido visitado por D. João I, nas sombras refrescantes do convento do Carmo.
Segundo a história popular, o rei perguntou-lhe o que faria, se Portugal fosse outra vez invadido.
Nuno de Santa Maria levantou-se, abriu as vestes, e mostrou a cota de malha do guerreiro.
Continuava disponível para morrer pelo seu povo.
Nuno Rogeiro
Sem comentários:
Enviar um comentário