terça-feira, 28 de abril de 2009

Um destino português

Claro que hoje se fala mais de bancarrota do que de Aljubarrota. Mas Nun'Álvares Cernache do Bonjardim, falecido em 1431, com 71 anos, vai ser reconhecido santo. Paradoxal destino, de quem foi Generalíssimo, o Condestável, chefe de um exército "moderno", sustentando a teimosia de ficar aqui.
No final da tarde de Agosto de 1385, estavam, não muito longe de Leiria e de Lisboa, 6500 portugueses e aliados, incluindo centenas de arqueiros ingleses, com os seus imponentes arcos de dois metros. Do outro lado, 30 mil castelhanos e soldados de fortuna, vindos de Itália e da França.
A batalha foi, em si mesma, revolucionária.
Confirmava-se o triunfo da infantaria e da artilharia ligeira, com consequências políticas imediatas. Como em Crécy, Azincourt, Poitiers, Nicopolis, onde a nobreza armada da França sucumbiu a 50 mil flechas por minuto, provava-se que simples camponeses podiam derrotar os senhores feudais, seus pajens e cavaleiros favoritos.
Nascia uma nova era na Europa.
Na crise da independência, em 1384, Nun'Álvares apoiou as pretensões de João I junto das Cortes.
Aí se defrontavam - como bem mostrou Marcello Caetano, em vários textos de História do Direito - as noções de legalidade e de legitimidade.
A primeira, girando em torno das regras comuns de sucessão dinástica, colocava João de Portugal como candidato "ilegal" ao trono, filho bastardo que era de D. Pedro, e tendo em conta que D. Fernando falecera sem herdeiros directos, para além de Beatriz, casada com o rei de Castela.
Este, pelo matrimónio, chegava à Coroa. Respeitava-se a lei internacionalista das monarquias, mas Portugal perdia a sua independência de dois séculos.
Mas, como defendeu João das Regras, e os outros juristas e tribunos portugueses, havia uma alternativa.
Uma alternativa nacional.
Ilegal, do ponto de vista de reis e rainhas.
Legítima, face a uma ideia que viria a ser consagrada, vários séculos depois, nas revoluções burguesas do Ocidente: a de soberania popular.
Essa alternativa venceu nas Cortes de Coimbra de 1385, o parlamento da época, pela lei da grei.
Mas esta foi só uma parte da vida de Nun'Álvares.
A vida da espada.
Com mais de 60 anos, viúvo da mulher que sempre adorou, meditando sobre a alma e o futuro, Nuno tornou-se irmão leigo da Ordem do Carmelo.
Desaparecia o marechal vitorioso, e erguia-se, aspirando aos céus, um humilde monge, enclausurado no Convento do Carmo, que fundara. Dedicou o resto dos seus dias aos pobres e aos desvalidos.
Beatificado no fim da I Guerra, pelo Papa "internacionalista" que inspirou Josef Ratzinger, Bento XV, Nun'Álvares aparecia como o condutor da "guerra justa", de resistência, que morreu em paz. Que pediu perdão pelas mortes de amigos e inimigos. Que se reconciliou com a Humanidade.
É lógico que a canonização se dê com Bento XVI.
Será no dia 26 de Abril. Na multidão que aplaudirá o novo Santo, estarão muitos portugueses.
Os crentes, que verão Nuno de Santa Maria feito para Deus.
Os outros, que olharão o herói nacional.
O herói que, já velho, terá sido visitado por D. João I, nas sombras refrescantes do convento do Carmo.
Segundo a história popular, o rei perguntou-lhe o que faria, se Portugal fosse outra vez invadido.
Nuno de Santa Maria levantou-se, abriu as vestes, e mostrou a cota de malha do guerreiro.
Continuava disponível para morrer pelo seu povo.
Nuno Rogeiro

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