De que falamos quando falamos de crise? A resposta dos líderes mundiais não convence. Dois terços do planeta nunca conheceram outro modo de vida que não o da crise. Nascem, crescem e envelhecem em crise. Nem lhe dão esse nome porque a crise é o seu modo de vida. O que há de novo neste regresso da economia da depressão é que milhões e milhões de seres humanos que viviam um pouco acima dos limiares de pobreza estão a engrossar as fileiras dos que estão mais por baixo. Na União, só em Fevereiro, entraram no desemprego 320 mil almas. Extrapolando, o mesmo terá sucedido a alguns milhões pelo planeta. O drama é que em grande parte do mundo, não há nem bom nem mau subsídio de desemprego – pura e simplesmente ele não existe; e o mesmo se pode dizer da segurança social e do apoio na doença.
Os líderes mundiais deveriam começar por aqui. Se as cimeiras são, acima de tudo, emissoras de sinais, o primeiro deveria ir, direitinho, para os mais pobres e para os novos pobres. Nem seria difícil. Bastava que os 20 anunciassem o firme compromisso de, até 2010, todos cumprirem o contrato que assinaram na viragem do milénio: que a suas Ajudas Públicas ao Desenvolvimento representariam 0.7 por cento dos respectivos PIB. Em Portugal isso representaria cerca de 750 milhões de euros. Dito assim, parece muito. Se lhe disser que é metade do que a CGD já meteu no BPN não parece assim tanto, pois não? E ajudariam bem mais pessoas e mais necessitadas. Naqueles lugares do mundo onde a queda de 1 por cento no PIB representa a fronteira entre a vida e a morte.
Claro que os que tudo sabem dirão que regular o sistema financeiro, combater o proteccionismo e relançar a economia são as condições da luta para erradicar a pobreza. Há alguma verdade nisto. O problema é que há meses que nos dizem que estas são as prioridades e os resultados são os que se conhecem.
Há algo de surrealista nos debates que antecederam o G20. Os norte-americanos insistem na despesa orçamental, os europeus na regulação e supervisão do sistema financeiro e os chineses na reforma do sistema monetário. Dir-se-ia que todos têm a sua parte de boas razões e não se percebe porque não somam. O mistério só se deslinda se lermos a coisa ao contrário: os norte-americanos gostariam de não mexer no sistema financeiro, os europeus de se manterem fiéis à ortodoxia do défice e ambos desconfiam dos chineses. Finalmente, os líderes dos países emergentes querem, acima de tudo, proteger as vantagens comparativas de que desfrutam na liberdade de comércio em escala internacional. Lamento, mas no G20 falta quem fale pelos mais pobres. É esse o verdadeiro problema.
miguel portas- 04.04.2009
Sem comentários:
Enviar um comentário