quarta-feira, 1 de abril de 2009

Guerra Colonial marcou poesia contemporânea portuguesa

Um projecto literário que reúne investigadores portugueses e estrangeiros conclui que o tema da Guerra Colonial marcou a poesia contemporânea portuguesa, tendo sido abordado por todos os grandes escritores do país.O projecto, intitulado "Poesia da Guerra Colonial: Uma Ontologia do ´Eu´ Estilhaçado", reuniu, até ao momento, cerca de 10 mil poemas relacionados com a Guerra do Ultramar. "Uma das conclusões preliminares é que o tema da Guerra Colonial marcou o cânone da poesia contemporânea. Todos os grandes poetas, desde Jorge de Sena, Herberto Hélder a Sophia de Mello Breyner, têm um poema sobre a guerra", disse à agência Lusa Margarida Calafate Ribeiro, da coordenação do projecto. Segundo a investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra o projecto pretende fazer um levantamento "o mais exaustivo possível" da poesia da guerra, avaliando a importância do tema. "Temos consciência de que esses fragmentos poéticos são uma parte essencial da memória desta guerra. Não só enquanto testemunhos pessoais e subjectivos mas também enquanto espaços de rememoração e questionamento sobre o que era" a Guerra Colonial, frisou. O "grande volume" da poesia já identificada foi produzido por combatentes do conflito que decorreu entre 1961 e 1974, "pessoas que viveram a experiência bélica", disse, como o escritor Fernando Assis Pacheco, falecido em 1995 e considerado "o primeiro poeta que se manifestou contra a Guerra Colonial". Muitos dos poemas identificados no âmbito do projecto, disse Margarida Calafate, foram publicados, devido à censura existente antes do 25 de Abril de 1974, "em espaços totalmente marginais", dificultando o acesso aos investigadores. "Felizmente que hoje, através da Internet e de toda a rede que se pode criar em redor deste assunto, estamos a conseguir recuperar muito desse material", explicou, acrescentando que têm sido analisadas não só as versões originais como também as censuradas. Em destaque na poesia da Guerra Colonial está, por outro lado, a participação das mulheres: "É poesia circunstancial, sem grande valor literário, mas também poesia de grande literatura sobre a questão de 'quem fica'. Não só de quem fica [na metrópole] naquele momento mas a condição histórica da mulher portuguesa de ficar à espera", argumentou a especialista em estudos coloniais. De acordo com Margarida Calafate Ribeiro, a poesia publicada sobre a Guerra Colonial "é um excesso de memória individual. Um excesso que se produz não só pela quantidade de pessoas mobilizadas. Quando falamos em cerca de um milhão de homens falamos em perto de um milhão de famílias, mulheres, tias, mães", exemplificou. Por outro lado "é um excesso de memória contra a falha da memória colectiva", disse, argumentando que a memória colectiva no pós-guerra "falha" para os ex-combatentes "na medida em que evita falar da guerra". O trabalho coordenado pela investigadora da Universidade de Coimbra e pelo italiano Roberto Vecchi, da Universidade de Bolonha, aborda ainda a dimensão terapêutica da literatura de guerra, que leva a um exorcizar de traumas e emoções. "Revisitar os espaços de guerra é uma forma de drenagem de um drama interior", defendeu Margarida Calafate, para quem a escrita enquanto "acto muito individual e isolado" permite colocar no papel uma experiência que ninguém, além de quem regressa da guerra, "está a entender". "A guerra é vivida em grupo. A escrita é filtrada por um 'eu' em ruptura, é o momento daquela experiência tentar fazer sentido e nesse aspecto há uma dimensão terapêutica", sintetizou.
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