segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Brilho e decadência: a vida de Tom Waits dava um palco

Tom Waits tem um novo disco. E, em caso de dúvida, esclarecemos já no início destas linhas: sim, faz sentido escrever um texto um pouco maior sobre este momento. Mesmo que falemos de um disco ao vivo - "Glitter and Doom Live", de seu título - e que esta seja, por norma, categoria menor junto de crítica, da comunidade melómana e de alguns executivos da indústria fonográfica. Quanto às razões, enumeramo-las porque a sua simplicidade assim o permite.


Este é um dos mais influentes músicos que a cultura popular pode oferecer a qualquer um dos seus discípulos nos nossos dias. Trabalhasse Tom Waits na redacção de um jornal ou num escritório de advogados e seria "a memória", o homem com a experiência suficiente para ter sempre a resposta pronta para toda e qualquer questão. Para não nos perdermos no tempo, lembremos apenas algumas das mais recentes e sortidas influências do artista: foi citado por Robert Plant e Alison Krauss em "Raising Sand", um dos melhores discos de 2007; por Scarlett Johansson na sua estreia como cantora em potência ("Anywhere I Lay My Head", em 2008, inteiramente construído com canções de Waits); pelos N.A.S.A., colectivo electrónico que convidou os melhores dos melhores para eclectismos urbanos com o carimbo de 2009; ou Norah Jones, que descobriu em Tom Waits a melhor inspiração para o seu novo álbum.

Referimo-nos aqui a uma espécie de bicho-do-mato do mundo das canções, que só faz o que quer quando quer, assumindo um total - mas saudável - desprezo pelos que escutam a sua obra. E, por norma, os que lhe dedicam tempo fazem-no com um apego tão grande que chega a parecer dependência. Não é maldade, é apenas o feitio de quem nunca fez nada para agradar a ninguém. Na verdade, assim que tal aconteceu, num par de momentos na sua vida, Tom Waits decidiu nunca mais fazer tal graça. Vejam-se os casos de "Closing Time", 1973, ou "Mule Variations", 1999: as canções perfeitas no momento comercial exacto, que, por isso mesmo, não mais se repetiram.

Raras vezes deixa a sua vida de semiagricultor no Norte da Califórnia para se mostrar em palco. Este narrador de decadências preocupa-se sobretudo com outros, também nobres, valores: a família e a sua vida de homem enamorado. Concertos só quando a saudade aperta, quando o desafio lhe chega aos ouvidos numa noite de boa disposição. E nós, portugueses, a vê-lo passar à distância, num sofrimento contido e silencioso. Por isso, queremos aproveitar as curtas mas suculentas pistas que este novo disco nos deixa para imaginar este vagabundo num palco à nossa frente. Ao escutar, vemos a cacofonia e o improviso; música nascida num ferro-velho de cores vivas; que já passou por bares e balcões bem fumados mas que agora é bem menos rotulável. Ou seja, Tom Waits tem um disco novo.

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