terça-feira, 6 de outubro de 2009

Quando a humilhação no emprego acaba com a vida



Solteira, 26 anos, quatro meses de serviço na GNR da Mealhada. Suicidou-se com um tiro na cabeça, em Novembro de 2008. Homem, 24 anos, estagiário na GNR de São Brás de Alportel. Suicidou--se com um tiro na cabeça na casa-de- -banho do posto. Setembro de 2008. Militar da GNR, 33 anos, enforcou-se numa árvore em Almagem do Bispo, em Sintra, uma semana antes, naquele mesmo mês de 2008.

Vítor Machado, 50 anos, casado, pai e avô, agente da PSP de Setúbal, parou o carro em frente ao Comando Metropolitano da Luísa Todi, em Setúbal, e matou--se com a caçadeira. Agosto de 2005. Deixou quatro palavras numa nota de despedida. "Adeus reforma, adeus amigos." O alargamento da idade da reforma foi a razão apontada na altura para que o agente da PSP tivesse decidido terminar a própria vida.
A onda de suicídios entre forças de segurança disparou o alarme - falou-se das mudanças da lei da reforma, do excesso de trabalho, da distância da família, dos baixos ordenados; criou-se um plano do Ministério da Administração Interna e linhas telefónicas de apoio psicossocial da GNR e da PSP.
Agora, 2009 é o ano negro da France Telecom. Vinte e quatro suicídios em 18 meses. Um dos suicidas, casado e pai de dois filhos, deixou uma carta à família onde falou de um "ambiente infernal" na empresa. E o número dois da France Telecom anunciou ontem a saída da empresa. A espiral de suicídios entre trabalhadores da operadora francesa voltou a lançar o debate na praça pública: pode o trabalho levar ao suicídio?
"É um fenómeno em crescendo. Desde a industrialização que o stresse laboral, a exaustão, a falta de realização no trabalho passaram a entrar no leque de razões que podem levar um indivíduo ao suicídio. Basta ver que em África as taxas de suicídio são muito baixas. A sociedade moderna está doente. Vale tudo pelas desculpas da competitividade. Isso criou uma grande desumanização. Há uma grande falta de capacidade de tolerância das chefias para perceber que as pessoas não são parafusos nem uma máquina gigantesca", adianta Carlos Braz Saraiva, psiquiatra responsável pela consulta de prevenção do suicídio nos Hospitais Universitários de Coimbra (HUC).
Marginalização no trabalho, desvalorização, humilhação ou exaustão são as queixas que o psiquiatra mais ouve no consultório. "A maior parte das pessoas sente-se humilhada e mal compreendida; sente desesperança e desespero ou culpa por não conseguirem corresponder às expectativas. Há ainda os que, por serem demasiado perfeccionistas, não conseguem aceitar o fracasso laboral."
Depois da marginalização ou do excesso de horas no trabalho, vêm as consequências psíquicas: "As insónias, a impulsividade e, muitas vezes, a agressividade. Tenho encontrado muitas pessoas em situação crítica de exaustão." Não é possível entender o fenómeno do suicídio por motivos laborais sem traçar um quadrado de razões: a síndrome de burn out ou de exaustão - quando uma pessoa está prestes a "rebentar"; o mobing ou assédio moral; o bullying e o fenómeno de imitação/contágio.
Carlos Braz Saraiva não descarta a hipótese de um fenómeno de imitação nos suicídios dos trabalhadores da France Telecom. Mas "só uma autópsia psicológica dos suicidas" pode traçar o diagnóstico final da vaga de suicídios entre os funcionários da operadora.
Em Portugal, à excepção do que acontece com as forças de segurança, não há dados que mostrem a relação entre suicídios e classes profissionais. Além dos polícias, os especialistas adiantam que Portugal não é excepção à corrente e que à semelhança do que acontece fora do país, médicos e enfermeiros são os que mais se suicidam, devido ao desgaste provocado pelo ambiente hospital e situações de fadiga física e mental. Carlos Braz Saraiva revela: "Falamos de profissões em que se exige um grande sentido de rigor, em que há elevadas cargas de responsabilidade e onde é preciso tomar decisões. Os médicos, por exemplo. Não é segredo que muitos sofrem de burn out, só que ninguém fala do assunto." Se as forças de segurança recorrem a armas de fogo, os profissionais de saúde recorrem sobretudo a fármacos.

Os suicídios no local de trabalho cresceram 28% nos Estados Unidos em 2008: 251 pessoas em 2008, contra 196 em 2007. Segundo o Bureau of Labor Statistics, este é o número mais elevado desde que existem estatísticas sobre o tema. Recessão económica, stresse laboral e execuções das hipotecas das casas são algumas das razões que serviram de justificação às estatísticas. No Japão - um dos países com melhor organização no trabalho - algumas empresas oferecem férias aos empregados e têm jacuzzis e ginásios nas suas sedes. Isso não chega. A quantidade de horas que um trabalhador dedica à sua empresa está em consonância com as as taxas de suicídio: as mais elevadas do Mundo. Um estudo das Nações Unidas revela que aquele é o país onde os trabalhadores mais dedicam horas semanais ao trabalho.

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