Sós, irremediavelmente sós, como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam: Arrefecem
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento sou eu só,
e mais ninguém. Dão-se os lábios, dão-se os braços dão-se os olhos,
dão-se os dedos, bocetas de mil segredos dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias, dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida, dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe, virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se, descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão
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