domingo, 13 de dezembro de 2009

Doze perguntas e respostas para perceber Copenhaga


Começa esta segunda-feira a 15.ª Conferência das Partes, uma cimeira mundial que mostrará até onde o mundo está preparado para ir no combate às alterações climáticas. A maioria dos líderes dos países mais poderosos estará presente, mas será que isso chega para garantir um sucessor do Protocolo de Quioto? Leia o nosso guia para compreender Copenhaga - o que está em jogo, o papel dos principais peões e as consequências de um possível fracasso

1. O que está em causa em Copenhaga e o que faz desta uma conferência especial?
A cimeira pretende ser uma espécie de Protocolo de Quioto, Parte II: em 1997, foi assinado, no Japão, um acordo entre os países mais desenvolvidos - com a notável excepção dos EUA - para limitar a emissão de gases com efeito de estufa, entre 2008 e 2012 (uma descida de 5,2% em relação aos valores de 1990). Este ano, deveria sair da Dinamarca um documento para controlar as emissões a partir de 2013 e ainda uma série de medidas de adaptação às alterações climáticas. Esta 15.ª Conferência das Partes, no âmbito das Nações Unidas, é a mais importante desde Quioto, a 3.ª COP (sigla inglesa para Conferência das Partes), precisamente por ser apenas a segunda vez que o mundo tenta atingir um objectivo palpável: levar os Estados mais desenvolvidos a cumprir metas concretas, tentar trazer os menos desenvolvidos para o barco (propondo algumas limitações ao crescimento económico baseado nos combustíveis fósseis) e apresentar soluções de financiamento para todas as medidas em cima da mesa. As negociações da COP 15 serão efectuadas por 193 países, entre os dias 7 e 18 deste mês.

2. O que se pode considerar um sucesso completo?
Um acordo perfeito passaria (e o uso do condicional aqui não é inocente) pela aprovação de um documento juridicamente vinculativo, que efectivamente reduzisse a pegada de carbono dos países mais ricos. Do ponto de vista científico, o ideal seria conseguir-se uma redução entre 25% e 40% das emissões de CO2, até 2020. Não se conseguindo isso, já não era nada mau que 2020 fosse o ano em que as emissões atingissem o seu pico, iniciando-se aí a descida. Tudo para garantir que a temperatura média do planeta não suba mais de 2°C, relativamente aos valores pré-industriais - o valor máximo que, segundo a maior parte dos cientistas, a Terra conseguirá suportar, sem consequências catastróficas. Para isso, de acordo com os modelos climáticos, a concentração de CO2 na atmosfera não pode ultrapassar 450 ppm (partes por milhão), sendo que, hoje, o planeta se encontra sujeito a valores que rondam as 385 ppm e que crescem a uma velocidade de 2 ppm ao ano. De resto, é fundamental que gigantes como a China (o maior poluidor do mundo), a Índia, o Brasil e a Indonésia também se proponham limitar as suas emissões, investir na descarbonização da indústria e travar a desflorestação.

3. E um fracasso?
 Sair-se de Copenhaga sem metas concretas de redução de gases com efeito de estufa era considerado, há alguns meses, um fracasso absoluto. Neste momento, já há quem se contente com um documento de boa vontade, que aponte na direcção certa. Mas essa é uma discussão puramente política. No que diz respeito aos factos, 2°C é mesmo o ponto de não retorno. Faça-se o que se fizer, com mais ou menos justificações, o resultado final só pode ser um: um acordo que vincule os países ricos a reduzir as emissões globais de forma significativa e os pobres a limitar o crescimento das suas. Menos do que isso não chega. Adiar a decisão para a próxima COP, no México (um cenário que muitos dão como provável), perdendo-se um ano, é um luxo a que o planeta não se pode dar. Por outro lado, os países mais desenvolvidos também não podem abandonar a Dinamarca sem um projecto sério e consistente de apoio ao Terceiro Mundo, que vai sofrer incomparavelmente mais com os efeitos das alterações climáticas. Amostras dos efeitos na população pobre dos fenómenos extremos são vistos todos os dias nas notícias, sempre que há cheias no Bangladesh, tufões nas Filipinas ou secas em África. Como será no futuro, quando estas anomalias forem muitíssimo mais frequentes e intensas?

4. As perspectivas são optimistas ou pessimistas?
 Sob o chapéu - ou desculpa - da crise económica, o balão foi-se esvaziando nos últimos tempos. Ainda em meados de Novembro, altos responsáveis da Comissão Europeia admitiam, informalmente, que não acreditavam num acordo vinculativo, devido aos sinais pouco animadores vindos dos Estados Unidos e da China (que, juntos, emitem, anualmente, mais de 40% do total de gases com efeito de estufa). Entretanto, nas últimas semanas, as esperanças voltaram a crescer, com propostas relativamente entusiasmantes vindas de vários países - incluindo aqueles dois, mas também, por exemplo, do Brasil, que se propõe baixar as suas emissões entre 36,1% e 38,9%, além de ter apresentado um plano para reduzir a desflorestação da Amazónia (a floresta com maior capacidade de sugar CO2 da atmosfera). Fica só uma dúvida: será que baixar as expectativas faz parte de um plano cínico para que qualquer migalha que saia de Copenhaga pareça um êxito? Mesmo que a resposta seja afirmativa, há uma boa razão para o mundo estar optimista: a aposta nas tecnologias amigas do Ambiente e nas energias renováveis tem sido apontada por muitos analistas como uma das soluções, e não um entrave, para relançar a economia em 2010 e criar empregos no futuro - 20 milhões até 2030, segundo a Organização Internacional do Trabalho.

5. Se for atingido um acordo, o problema do aquecimento global fica resolvido?
De maneira nenhuma. A prova disso é que, do plano de discussões para Copenhaga, uma grande parte diz respeito a projectos de adaptação e apoio aos prejuízos, além das formas de financiar o combate aos efeitos das alterações climáticas nos países subdesenvolvidos. De facto, todos os esforços que estão a ser feitos servem para desacelerar o aquecimento do planeta e manter os seus efeitos colaterais no mínimo possível - não para travar completamente o fenómeno. O IPCC (sigla inglesa para Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, o organismo científico global que estuda o tema) prevê que a temperatura pode aumentar até 6,4°C, durante este século, mantendo-se a evolução prevista dos níveis de emissão de gases com efeito de estufa. Mas mesmo que, por milagre, fosse hoje exalado o último grama de CO2, a temperatura continuaria a subir, devido à longa vida das partículas do gás na atmosfera e ao efeito termorregulador dos oceanos (que influencia o clima e, ainda por cima, tem uma reacção muito lenta às alterações climáticas). Para se ter uma noção mais exacta: quando a temperatura do ar parar de subir, o nível médio dos mares continuará a elevar-se, durante mais ou menos cem anos, por causa da dilatação térmica provocada pelo aumento da temperatura das águas.

6. Quais são as consequências de não haver um acordo para fortes cortes, nas emissões de gases com efeito de estufa?
 Se a temperatura média aumentar mais de 2°C, começará a rolar uma bola de neve imparável. Os glaciares, primeiro, e os lençóis de gelo da Gronelândia, depois, derretem inexoravelmente. Um processo que, uma vez iniciado, não mais poderá ser contrariado. Sabendo-se que, na Gronelândia, há gelo suficiente para aumentar o nível do mar em sete metros, e que a maior parte da população do globo vive perto do litoral, imagina-se os efeitos dramáticos no nosso modo de vida. Cidades inteiras teriam de ser deslocadas, países ficariam debaixo de água, guerras seriam provocadas por questões de território e milhões de pessoas ficariam sem água potável - pelo desaparecimento dos reservatórios de água que são hoje os glaciares e pela invasão de água salgada nos rios e aquíferos junto à costa. As consequências na economia seriam também devastadoras. Nicholas Stern, um economista contratado pelo governo britânico para estudar os efeitos do aquecimento, calculou que as alterações climáticas custarão no futuro, ao ano, 20% do PIB mundial. E combatê-las antes que seja tarde de mais ficará apenas por 1% do PIB.

7. Qual a posição da União Europeia e de Portugal?
 A UE ocupou, desde o início, um lugar de liderança no combate contra as alterações climáticas. Em Dezembro do ano passado, a Comissão Europeia aprovou um plano de corte de 20% das emissões de CO2 (em relação a 1990) até 2020, unilateralmente - valor que crescerá para 30%, caso seja assinado um acordo global de redução; o compromisso inclui também uma fatia de 20% de energia produzida a partir de fontes renováveis e outra de 10% de biocombustíveis nos transportes. Portugal rapidamente tentou mostrar serviço e prometeu subir a fasquia de corte de emissões para 30% (responsáveis da Comissão, no entanto, dizem que o nosso país está muito mal encaminhado para atingir esse objectivo). A nossa aposta nas energias renováveis, apesar de reconhecida pelo resto da Europa, também não está a resultar tão bem como devia: a volatilidade das fontes (água, vento e sol) fez com que, este ano, Portugal tenha emitido mais CO2 na produção de electricidade do que no mesmo período de 2008, apesar de o consumo de energia ter baixado. Voltando às boas notícias, a UE tem cerca de um terço do mercado mundial de renováveis. E 1,4 milhões dos 2,3 milhões de pessoas empregadas neste sector são cidadãos comunitários.

8. Até que ponto estão os EUA e a China preparados para ceder?
 É difícil fazer prognósticos a este nível de negociação política, mas o ponto de partida podia ser pior. Num gesto de boa vontade, a China pôs em cima da mesa uma redução entre 40% e 45% da sua intensidade de carbono, comparativamente a 2005. Ou seja, os chineses prometem emitir quase metade do CO2 por unidade de PIB. Do ponto de vista dos resultados líquidos, não é fabuloso, atendendo ao facto de o PIB da China crescer quase 10% ao ano (levando a um crescimento anual de emissões de 4% a 4,5 por cento). Mas é um sinal de que Hu Jintao está disposto a fazer a sua parte e não apenas a obrigar o Ocidente a pagar a factura, como acontecia até aqui. Já Obama esgrimiu, na semana passada, um decréscimo de 17% das emissões no seu país, até 2020, também relativamente a 2005. O Presidente dos EUA (que irá à cimeira de Copenhaga, num gesto que tenta mostrar o empenho americano no combate às alterações climáticas) não terá, contudo, grande margem de manobra para negociar acima desse valor, uma vez que o corte de emissões foi votado pelo Senado. Talvez, em alternativa, saque da cartola investimentos em energias limpas e ajudas financeiras ao Terceiro Mundo.

9. Há penalizações para quem não cumprir os acordos?
No papel, quem não cumprir o Protocolo de Quioto (nem que seja recorrendo à compra de créditos de emissão, ferramenta que Portugal está condenado a usar, dada a sua má situação) terá de pagar multas astronómicas. Na prática, como obrigar um Estado soberano a tal coisa? Declara-se guerra ao Canadá por este país ter ratificado Quioto e agora emitir quase 30% acima do prometido? Na realidade, as sanções para este tipo de incumprimentos acabarão por ser sempre a nível da pressão diplomática e da imagem do país. É por isso que a diferença entre um acordo ser juridicamente ou politicamente vinculativo se fica mais pela força psicológica da expressão do que pelas consequências concretas. Mas claro que é melhor para todos que de Copenhaga saia qualquer coisa com força de lei e não apenas um chorrilho de intenções.

10. Por que razão não se pedem mais responsabilidades aos países menos desenvolvidos, nomeadamente no corte das suas emissões?
Por uma questão de justiça. Os países industrializados enriqueceram poluindo o planeta, durante 200 anos. Não podem, agora, impedir os países pobres de tentarem dar um nível de vida confortável aos seus povos porque, entretanto, a ciência descobriu que a poluição faz mal à Terra. É por essa razão que a União Europeia não exige a gigantes como a China e a Índia os mesmos sacrifícios. E nem os EUA, que dizem ser tudo inútil sem a participação activa da China (o país que mais CO2 emite, em números absolutos, mas que está em 96° lugar nas emissões per capita), vão ao ponto de esperar cortes líquidos nos gases com efeito de estufa - apenas lutam por um abrandamento. Os chineses, aliás, pretendem conseguir em Copenhaga um compromisso por parte do Ocidente: que pague uma parte das suas emissões locais, uma vez que um terço do que é produzido na China se destina à exportação.

11. Ainda há dúvidas científicas sobre as alterações climáticas e a responsabilidade do Homem no fenómeno?
 Sérias, não. Alguns cientistas têm tentado provar o contrário mas, na maior parte das vezes, as suas investigações são aldrabices pegadas, estudos encomendados por companhias petrolíferas com o objectivo predefinido de lançar dúvidas sobre o tema ou trabalhos que não resistem a revisões científicas feitas pelos seus pares. Argumentos constantes entre os chamados cépticos do aquecimento global estão coisas como o Verão de 2008 ter sido mais frio do que a média, ignorando ostensivamente a variabilidade climática natural e o valor das estatísticas - sabendo que um só ano é irrelevante numa tendência de décadas. O imenso painel de investigadores do IPCC e todas as grandes academias de ciências concordam com o essencial das alterações climáticas que afectam o planeta e o papel do antropogénico nesta evolução. Quando muito, essa necessidade de consenso científico, no seio de um órgão diplomático como as Nações Unidas, peca por defeito e não por excesso. Cada novo relatório climático que analisa os degelos, a temperatura ou os fenómenos extremos, é mais grave que o anterior. Ao que parece, a realidade está a ultrapassar os cenários científicos.

12. Quem mais perde em caso de fracasso no que respeita à inversão do aquecimento?
Perdemos todos, mas uma coisa é certa: os pobres terão problemas muito maiores. Além da situação de países que podem, pura e simplesmente, submergir (Maldivas, Tuvalu e um terço do Bangladesh, o território que fica a menos de um metro acima do nível do mar), os desafios, no mundo subdesenvolvido, não podiam ser mais ciclópicos. As secas em África, por exemplo, serão muito mais frequentes, levando a um aumento colossal da fome e dos conflitos relacionados com água e território - um estudo publicado na semana passada, da Universidade da Califórnia, aponta para 400 mil mortes só em guerras civis provocadas pelo aquecimento global, até 2030, na África subsariana. Dados como este ganham outro relevo quando se sabe que 0,6% a 1,4% do PIB de todos os países seriam suficientes para mitigar os efeitos das alterações climáticas e ajudar as populações a adaptarem-se aos novos tempos. Sabia que, actualmente, os gastos com armamento atingem 2,6% do PIB mundial?
visão

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