domingo, 29 de março de 2009

O Papa e a sida

Nenhum espectáculo foi, para mim, mais trágico, do que a família de crianças, que vi num subúrbio sul-africano, com alguns petizes já infectados. Um rapaz de 12 anos, com ar adulto e resignado, erguia-se, adoentado, como chefe do grupo, responsável pela sua difícil sobrevivência.
Não tinham pais.
Eram filhos da sida.
Há 22 a 25 milhões de vítimas em África, e cerca de 11 milhões de órfãos. Em 2007, morreram 1,3 milhões de pessoas, e surgiram mais 1,7 milhões de infectados.
O problema é menos severo no Norte: o Magreb e o Médio Oriente contabilizam menos de 400 mil vítimas, havendo quem relacione o facto com o elemento religioso predominante (o Islão).
A ignorância em relação à doença foi, infelizmente, agravada por teorias da conspiração, por práticas sexuais de risco, por cuidados médicos deficientes ou inexistentes, pela pobreza, consequente profusão de doenças oportunistas, desigualdade entre sexos, e sobretudo violência sexual, ligada ou não ao problema da guerra.
Os países mais afectados pela sida incluem, paradoxalmente, nações relativamente modernas e mais abastadas, com menos habitantes, como a Swazilândia, o Botswana, o Lesotho e o Malawi. Trata-se de países de migrantes, que circulam muito e rapidamente, e onde a vida familiar "regular" é afectada.
Em 2001, o presidente do Botswana (que tinha quase 30% de infectados) declarava o estado de sítio na saúde: "Estamos ameaçados de extinção".
Trata-se, verdadeiramente, de uma emergência.
A sida é, nessa emergência, um problema médico e de higiene pública. Mas, também, uma questão de conhecimento, moral pessoal e comportamento colectivo.
Não vou agora discutir que elemento é mais ponderoso.
O conjunto dos primeiros factores refere-se ao combate às consequências.
O segundo pode referir-se ao combate às causas.
O combate às consequências, experimentado através de múltiplos programas, requer meios.
Meios para comprar reservas suficientes de retrovirais e outros medicamentos, meios para diagnosticar, vigiar e proteger os grupos de risco, meios para controlar e certificar as reservas de sangue, meios para travar a transmissão mãe/filho. Meios, ainda, para promover campanhas de alerta e educação, para esclarecer os jovens, para ajudar nos elementos adicionais de protecção, como os preservativos.
No Botswana, a campanha chama-se ABC: Abstenção sexual, fidelidade ("Be Faithful") e uso de preservativos, nesse e noutros casos, sempre que as circunstâncias o requeiram (o que também implica educação e informação).
No combate às causas, para além do elemento médico de descoberta de cura ou antídoto, de fortificação do organismo, há uma forte componente de educação, incluindo formação médica, cívica e moral.
As controversas declarações de Bento XVI, sobre o problema, referem-se a estas causas, e não às consequências.
Quando refere que as causas não se combatem só pelo preservativo, e que este pode criar um falso sentimento de segurança, permitindo o alastramento, Bento XVI não está nem a negar o seu sistema moral nem a agredir o esforço sobre-humano de milhares de voluntários que, em África, servem o próximo, neste combate.
O que Bento XVI não poderia era, perdoe-se a expressão, tapar o sol com a peneira: afirmar que, pela distribuição massiva de preservativos, sem actuar nos outros domínios mais custosos, seguros, permanentes e profundos, eliminaríamos esta ameaça.
Acusado geralmente de "idealismo" e "ingenuidade", o Papa foi agora agudo e realista.
Mas também por isso é culpado.
Ainda bem.
nuno rogeiro in jn

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