quarta-feira, 25 de março de 2009

Paris promete indemnizar vítimas de 210 testes atómicos

Vale mais tarde que nunca. O Governo francês decidiu enfim indemnizar as vítimas dos testes nucleares que efectuou durante mais de três décadas, entre 1960 e 1996, em regiões tão diversas como o Sara argelino e a Polinésia. O anúncio foi ontem feito pelo ministro da Defesa francês, Hervé Morin, em entrevista ao jornal Le Figaro.
"Durante muito tempo, os governos acreditaram que abrir a porta a compensações pecuniárias iria constituir uma ameaça aos esforços significativos da França para tornar-se uma potência nuclear credível. Mas chegou a altura de tomarmos consciência de que existiram vítimas", declarou o ministro.
De acordo com Hervé Morin, o Governo vai nomear uma comissão independente que num período máximo de seis meses avaliará, caso por caso, as situações de todas as pessoas que adoeceram devido às radiações. A comissão será presidida por um magistrado e integrará médicos especialistas em doenças do foro oncológico.
Cerca de 150 mil pessoas, entre militares e civis, estiveram directa ou indirectamente envolvidas nos testes realizados pelo Governo francês para se tornar uma potência atómica e desenvolver armamento nuclear. Os testes tiveram início durante o mandato presidencial do general Charles de Gaulle, em 1960, e prolongaram-se até 1996, já quando Jacques Chirac ocupava o Palácio do Eliseu. Só terminaram quando Paris aderiu ao tratado internacional para a interdição dos ensaios nucleares.
Ao todo, foram realizados 210 testes, repartidos pelo Sul da Argélia - que só se tornou independente da França em 1962 - e pela Polinésia, onde Paris mantém vários territórios coloniais, designadamente nos atóis de Fangataufa e Mururoa, situados no arquipélago das Tuamotu, 1200 quilómetros a sueste de Taiti. Nos últimos anos, cada teste mobilizava intensos protestos de organizações ambientalistas, como a Greenpeace, e de militantes pacifistas.
Durante décadas, Paris sempre negou uma relação de causa-efeito entre os testes e a proliferação de doenças graves entre os civis e os militares que neles participaram por imposição profissional - muitos dos quais acabaram por morrer com leucemias e cancros de tiróide. Tornou-se inequívoco o elo entre as radiações atómicas e estas doenças, como agora reconhece o Executivo francês, afirmando-se disponível para indemnizar as pessoas afectadas.
O ministro da Defesa reconheceu a existência de "várias centenas" de pessoas que adoeceram devido às experiências nucleares. De acordo com a Comissão Científica das Nações Unidas para o estudo dos Efeitos dos Raios Atómicos, existem 18 doenças relacionadas com esta origem - incluindo os cancros da tiróide, dos pulmões e da mama, além de várias formas de leucemia.
As indemnizações previstas, só numa primeira fase, deverão totalizar cerca de 10 milhões de euros, segundo anunciou também o titular da pasta da Defesa na entrevista ao Figaro.
"As pessoas não terão de provar uma relação de causalidade entre a exposição às radiações e a doença que sofreram ou sofrem", assegurou Hervé Morin. Nunca nenhum Governo de Paris havia dado esta garantia até hoje, o que satisfez as associações de antigos combatentes: há muito que os ex-militares franceses reivindicavam indemnizações às vítimas. Por isso o presidente da Associação dos Veteranos dos Ensaios Nucleares, citado pela AFP, destacou os "progressos não negligenciáveis" da proposta agora anunciada pelo ministro da Defesa.
dn

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