quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Família milionária recebe agora rendimento mínimo



Em 2001 uma quantia astronómica entrava na conta da família Almeida. Apesar das duas casas e três carros, vivem à conta do subsídio estatal e esperam por mais apoios.

São donos de um património invejável. Têm duas moradias, avaliadas em setecentos mil euros, e três carros topo de gama. Foram bafejados pela sorte em 2001, ganharam numa sociedade 600 mil euros no Totoloto. Oito anos volvidos vivem à conta do Estado.
Para a Segurança Social, é tudo legítimo. A família Almeida não tem liquidez e a ajuda é fundamental. Todos os meses entram 365,56 euros na residência familiar. A mãe e o filho também aguardam por nova ajuda da Segurança Social.
"Trata-se de um agregado desestruturado, com um quadro familiar muito complexo. Enriqueceram subitamente e não demonstraram ter as competências necessárias à gestão do património, bem como à perspectivação do seu futuro. Para além da falência da empresa que criaram, viram-se sem qualquer tipo de rendimentos líquidos, embora com património", explica à Domingo fonte do Instituto de Segurança Social (ISS), ao enquadrar a decisão de dar a esta família o Rendimento Social de Inserção (RSI).
Tudo legal segundo o Estado, mas também segundo a família. Os populares que conhecem a história é que não percebem e criticam a decisão. Fábio, o filho do casal, responde com simplicidade: "Isso que as pessoas dizem não interessa, porque a Segurança Social sabe de tudo o que se passa, está lá tudo escrito". Todavia, o filho do casal garantiu à Domingo que o pai não recebia Rendimento Social de Inserção: "É só uma pensão de invalidez de 190 euros, nada mais. Se ele não trabalha tem direito". Maria Augusta também fica indignada com a desconfiança: "Ainda estou à espera de receber, porque tenho direito. O meu filho também está à espera e as técnicas da Segurança Social já me disseram que seria beneficiado. Eu é que preferia que ele fosse trabalhar e ganhasse melhor. 190 euros não chegam para viver".
Jorge Queiroz, proprietário do café em que o boletim foi registado, não quer polémicas. Para ele tudo é comercial, não há lugar a opiniões. "Foi bom ter dado o prémio. Agora a vida deles é só deles. Não me quero meter".
PATRIMÓNIO SEM RENDIMENTO
Mãe e filho reconhecem que o património que têm hoje é, porventura, mais valioso do que o prémio que ganharam em 2001. Tudo está a venda, dizem. O objectivo está definido: uma vida nova, longe daquele lugar, e diferente, se possível. França pode ser o destino, pois há mais trabalho e mais adequado para José, que tem limitações físicas. "Lá o trabalho é mais leve e ele não se pode esforçar muito. Cá não pode trabalhar, faz só uns biscates, umas coisas tipo servir churrasqueiras, em que ele é perito", justifica Fábio.
As preocupações com a saúde de José Carlos são justificadas. Tem uma bala alojada junto à medula. Qualquer movimento brusco pode ser fatal. Uma discussão há dois anos terminou quase em tragédia familiar. José e Maria voltaram a entender-se, mas ficaram as sequelas. "Agora estamos bem", disse secamente Fábio, sem se querer alongar no tema.
O histórico da família do Vale do Sousa com o Instituto da Segurança Social tem quase cinco anos. "A Sr.ª D. Augusta requereu pela primeira vez a prestação do Rendimento Social de Inserção em Outubro de 2005. Este requerimento foi indeferido por falta de preenchimento das condições específicas de atribuição (inscrição em centro de emprego). A prestação foi requerida novamente em Outubro de 2007, tendo sido deferida, uma vez que se enquadrava nos requisitos legalmente exigidos", relata fonte do ISS.
"As duas casas que o agregado familiar possui encontram-se à venda numa imobiliária, uma delas já desde 2007. A segunda habitação, que não a residência actual, foi considerada no cálculo da prestação do RSI", acrescentou a mesma fonte. De assinalar que Maria requereu há três meses a pensão de invalidez, mas foi considerada apta pela junta médica.
Fábio e Maria Augusta assumem alguns erros, que trouxeram desgostos à família, mas mesmo nesses falhanços parecem unidos. "Fizemos sempre tudo com a concordância de todos. Sentávamo-nos, discutíamos e decidíamos. Sempre foi assim", conta Maria Augusta. Preferiram arriscar, à estabilidade dos juros. Os sonhos foram maiores do que a segurança. "Há coisas que não gosto nada de recordar", finaliza Maria.
OITO ANOS E TUDO MUDOU
Passaram oito anos o tempo suficiente para tudo mudar. A exuberância da noite mágica em que os seis números bateram certo com as seis cruzes e multiplicaram a conta bancária da família Almeida para números milionários não se apaga da memória. O tempo passou, mas os problemas familiares graves, uma falência, dinheiro esbanjado e a incapacidade para trabalhar do homem que era "um artista nas obras" roubaram os sorrisos. Dos milhões do prémio, o ganho mensal destes "excêntricos" vem agora da Segurança Social, na forma do Rendimento Social de Inserção.
"Foi um grande dia, como é normal. Até fui eu que fiz a chave. Mas ao quinto número, não vi mais. Não aguentei. Mostrei ao meu pai e ele viu que tínhamos os seis números: o Totoloto completo. Foi uma alegria. Fomos a correr para casa dos meus tios para festejar", relembra à Domingo Fábio, de 21 anos, mas ainda com o frenesim dos 12 que na altura tinha.
As possibilidades ganharam número proporcional às vontades na pequena localidade rural de Várzea da Ovelha e Aliviada, Marco de Canaveses. Os pais, José Carlos e Maria Augusta, só queriam uma casa maior– tipo vivenda – para sair do pequeno anexo em que viviam. Também gostavam de carros, e o pequeno Peugeot já não servia. Na garagem, deu lugar a um potente Rover, um Mazda e, depois, a um Mercedes. A empresa de construção que sempre ambicionaram podia agora nascer.
Eles sonharam e tudo surgiu. Mas não da forma que imaginaram. O caminho para a felicidade teve inúmeros percalços. "Se fosse hoje preferia não ter ganho porque apesar de o dinheiro trazer coisas boas, também nos prejudicou muito", diz, peremptória, Maria Augusta.
Fábio abana com a cabeça, em sinal de desaprovação. "Não sou da mesma opinião. O dinheiro é bom. Não traz felicidade mas ajuda. Para se ser feliz pode-se ou não ter dinheiro, isso depende de nós", atira o jovem.

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