domingo, 21 de junho de 2009

Brasil-Esquadrões da morte marcar para morrer

São polícias os carrascos implacáveis que fazem 'justiça' com as próprias mãos. Matam e torturam por encomenda ou motivos pessoais. Um relatório da polícia revela que um esquadrão matou 12 pessoas só em São Paulo
Despem-no e prendem-lhe as mãos aos pés com uma corda áspera que lhe queima a pele. Penduram-no num pau, vendam-no e começam a dar-lhe choques eléctricos. Ouvem-se berros agoniados. Ou ele confessa, ou torturam-no até à morte. Esta é uma cena do filme Baptismo de Sangue, do realizador brasileiro Helvécio Ratton, sobre a ditadura militar no Bra- sil (1964-1985), baseado nos grupos de tortura legitimados pelo Estado.
"Depois de mortos, cortavam as mãos e os pés às vítimas, para que não fossem identificados", relembra ao DN Ana Paula Miranda do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. A memória incomoda, envergonha, e verga, ainda, o estereótipo dessa "repressora polícia brasileira" ao imaginário colectivo actual. Por isso, quando no início deste ano, a Polícia Civil de São Paulo publicou um relatório que denunciava a existência de um grupo de esquadrão de morte, "Os Highlanders", que actuava no interior de São Paulo e que terá matado 12 pessoas, os fantasmas da ditadura voltaram.
Os cadáveres foram encontrados decapitados e os crimes "terão sido cometidos" por 15 elementos da Polícia Militar (PM) de São Paulo, conforme conclui o relatório a que o DN teve acesso. O método "lembra os esquadrões de morte que surgiram na ditadura militar", recorda António Funari Filho, provedor da PM. Os polícias indiciados estão presos e esperam julgamento. Mas o cenário continua.
"Sabemos que, actualmente, há esquadrões de morte em, pelo menos, 15 estados brasileiros", relata Tim Cahill, pesquisador da Amnistia Internacional (AI) sobre o Brasil. Ele denuncia que muitos são carrascos a mando de "vários deputados estaduais". "Depois da ditadura não houve uma limpeza desses métodos de extermínio, como mecanismo de segurança pública. Houve um reforço, até", denuncia.
Os relatórios deste ano das organizações internacionais Human Rights Watch (HRW), AI, Comissão Interamericana de Direitos Humanos e do Departamento de Estado norte-americano revelam que "a polícia brasileira mata muito e que está envolvida em milícias e crimes" mas reconhecem, ainda, que a pressão policial é "muita para o alto índice de criminalidade".
Por ano, divulga a HRW, "ocorrem, no Brasil, quase 50 mil homicídios" e '' há vários relatos de envolvimento de polícias em homicídios por vingança; intimidação e morte de testemunhas que prestariam depoimentos contra oficiais de polícia''. O relator especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Philip Alston, reforça, num relatório, que a actividade dos esquadrões da morte no Brasil é, "em regra, feita por polícias fora de horário de trabalho; envolve mortes por encomenda; como forma de extorsão de dinheiro da população, sob ameaças" e implica, ainda, "homicídios ou intimações em nome de comerciantes, políticos e proprietários de terra" contra trabalhadores sem terra ou indígenas em "situação de conflito agrário".
No Rio de Janeiro, por exemplo, "o esquadrão de morte" mais conhecido é o Batalhão de Operações Policiais Especiais, cuja história foi adaptada ao cinema no filme Tropa de Elite, pelo realizador José Padilha. "A actuação dessas milícias no Rio é uma forma de domínio e controlo da população local", diz o sociólogo brasileiro Ignacio Cano, e que "estão envolvidos com outros negócios obscuros".
Cahill fala em "impunidade" desses agentes e que "falta intervenção" do Estado. "Mataram um juiz no [estado do] Espírito Santo que julgava um caso de extermínio. Os assassinos continuam à solta", conta Cahill. "Essa contínua violação de direitos humanos é selvagem e recorrente".
dn

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