segunda-feira, 29 de junho de 2009
Portugueses são pobres, estão desmobilizados mas consideram-se felizes
Pobres, desmobilizados, mas, apesar disso, felizes. Somos assim, os portugueses? No final do estudo Necessidades em Portugal - Tradição e tendências rmergentes, os investigadores viram-se perante um país socialmente muito frágil, pouco capaz de se mobilizar individual e socialmente. Mas, apesar disso, com altos níveis de satisfação e felicidade.
Há dados conhecidos que o estudo confirma - os que se relacionam com níveis de desigualdades sociais ou taxas de pobreza, por exemplo. Mas Teresa Costa Pinto, socióloga do Centro de Estudos Territoriais, do ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa), diz que a investigação trouxe novidades: "Algumas dimensões da privação alargam--se a outros grupos que não estariam nos 20 por cento de pobres".
Cerca de um terço da população vive "um contexto de precariedade" e está preocupado "com a sua sobrevivência", indicam os resultados. A impossibilidade de pagar uma semana de férias fora, manter a casa aquecida (32,6 por cento não o conseguem) ou não usufruir da baixa médica total por razões económicas ultrapassam em muito os 20 por cento de pobres (ver texto nestas páginas).
O índice resultante do inquérito diz que 35 por cento dos portugueses têm uma privação alta ou média. Mais de metade (57 por cento) tem um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.
Confirmam-se ainda outros dados conhecidos: o universo dos mais vulneráveis (que revelam mais sentimentos negativos) coincide com os idosos, as famílias monoparentais, os menos instruídos. Há aqui duas novidades: os mais jovens começam a enfrentar situações de vulnerabilidade; e as qualificações superiores também já não garantem emprego seguro.
Estas condições deficientes ou más coincidem com o nível de satisfação com a vida: em Portugal, ele é dos mais baixos, comparado com outros países da União Europeia. Mas o grau de satisfação (6,6 numa escala de 1 a 10) está claramente acima do ponto médio da escala, tal como o da felicidade (que chega aos 7,3 em 10).
Tais indicadores são confirmados pela predominância de sentimentos positivos, notam os investigadores (ver quadro). E completam-se com o relativo "apaziguamento" em vários outros índices, diz Teresa Costa Pinto. Exemplo: a maioria está insatisfeita com a falta de perspectivas e as condições de trabalho - 30,6 por cento desejaria mesmo mudar de emprego. Mas, entre estes últimos, 37,5 por cento confessa que não faz nada para que isso se concretize.
Baixo grau de confiança
Do mesmo modo, 63 por cento recusa a possibilidade de emigrar. O "apaziguamento" verifica-se ainda em relação às habilitações: só uma minoria deseja voltar a estudar; muitos acham que já não têm idade (51 por cento) ou que não têm tempo (25 por cento). Só em questões relacionadas com a sociedade do conhecimento - aprender línguas, utilizar a Internet, explicar ideias por escrito, acompanhar o estudo dos filhos - a maior parte dos inquiridos revela vontade de progredir.
São os mais novos e os mais qualificados que reagem de outra maneira. "Já incorporaram a ideia de que a formação é para toda a vida", diz Teresa Costa Pinto. O que pode indiciar que por aqui se pode quebrar o círculo vicioso da falta de qualificação, emprego mal remunerado, situação de maior vulnerabilidade social, pobreza.
Somos uma sociedade pouco motivada para mudanças pessoais e colectivas, observa a responsável científica do estudo. Factor aduzido também pelos elevados níveis de desconfiança em relação aos outros (4,5 em 10; só os mais instruídos atingem os 5,2) e às instituições - governamentais, nomeadamente, que merecem pouca ou nenhuma confiança em 70 por cento dos casos. "As sociedades com baixo grau de confiança nos outros são as que se desmembram mais depressa", observa Isabel Guerra, também coordenadora científica do estudo.
Outra novidade do estudo - promovido pela Tese, Associação para o Desenvolvimento, e realizado cientificamente pelo CET/ISCTE - é o aparecimento do factor da precariedade pelo tempo de trabalho.
Em síntese, os investigadores destacam dois tipos de necessidades: as que se relacionam com o funcionamento do mercado de trabalho e das políticas sociais; e as que traduzem a incapacidade de criar o sentimento de "pertença a uma comunidade de cidadãos colectivamente responsáveis". Uma sociedade que precisa de reforçar "as dimensões mais racionais, colectivas e organizacionais" que configuram as sociedades ocidentais modernas. "É praticamente inexistente o potencial para mudar", observa Isabel Guerra.
Números e conclusões serão apresentados na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, a partir das 15h00 de hoje, por Isabel Guerra e Teresa Costa Pinto. Alfredo Bruto da Costa, presidente do Conselho Económico e Social, e o jornalista José Vítor Malheiros, do PÚBLICO, comentam os resultados, antes de o ministro Vieira da Silva encerrar a sessão.
Após o tratamento dos dados, os investigadores começaram já a segunda fase do projecto, seleccionando sete situações para estudo de caso. Entre elas estão as famílias que vivem pouco acima do limiar de pobreza, as profissões em extinção ou transição, os idosos isolados ou os adultos em transição para a reforma.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário