Ainda não li Caim e por isso não falo de um livro que não conheço, mas vi e ouvi as declarações do autor: “O Deus da Bíblia não é de fiar: é vingativo e má pessoa."
Saramago traçou dois objectivos ao criar esta polémica: espetar mais um prego na crucificação da Igreja Católica e através da agressão suscitar o debate e vender a sua obra.
Saramago conseguiu juntar o útil ao agradável, mas houve uma variável que o consagrado Nobel da Literatura esqueceu. O plano de Saramago não é perfeito e o escritor pode ter caído numa cilada de Deus.
A má pessoa imaginária que Saramago persegue e teima em negar preparou uma vingança ao escritor e usou o velho Nobel para lançar o debate, não sobre Caim mas sobre a Bíblia, e trazer novos leitores para o livro escrito por um Deus que o escritor diz ser vingativo.
Ao inaugurar a sua nova piscina literária baptizando-a de Caim, Saramago anunciou aos nadadores da literatura um oceano infinito chamado Bíblia. E ninguém vai querer um patinho de borracha ou uma bóia numa piscina com cloro quando pode pescar e mergulhar num oceano de águas profundas.
A mensagem de Saramago revelou que o escritor pode ser apenas o mensageiro para abrir as páginas de um livro esquecido.
A estranha luta de Saramago com um Deus que não existe não é uma demência intelectual. É a revolta de um homem que desconhece que na sua procura por um divino que nunca descobriu foi encontrado por um Deus que o conhece e o ama profundamente.
Saramago é inteligente. Não perde tempo em conversas banais com o eurodeputado Mário David que apelou à sua renúncia da nacionalidade portuguesa. Não tem medo de afrontar a religião maioritária e de afirmar que já não há fogueiras para queimar os hereges. Mas quando fala de Deus e da Bíblia o verniz estala. Inquieta-se. Revolta-se. Sente-se perturbado. Quer vingança!
Ninguém inteligente luta com a fantasia alheia. Fazer um campanha contra alguém que não existe é uma perda de tempo e Saramago sabe que o tempo que lhe resta é pouco para ser esbanjado em palermices de religiosos.
Saramago tem razão! Mas não tem fé! E a razão sem fé é como a justiça cega.
O que inquieta Saramago é a sua lógica contraditória. Como é que um Deus que só existe na cabeça das pessoas as influencia tanto?
“A neve não existe pois nunca a vi nem tive dela qualquer sinal”, é assim que se expressa a lógica de um ateu tropical pouco viajado. Mas Saramago tem viajado pelas Escrituras e já viu neve, mas tem medo de lhe tocar e de ser tocado.
Só falta mesmo olhar para cima e ver a luz do Deus que lhe brilha no seu pensamento.
A estratégia de Saramago transformou-o no maior publicitário português da Bíblia. Mesmo que Deus não exista ele conseguiu fazer o que muitos pregadores tentaram mas raramente fizeram, trazer os desiludidos com a religião de volta às Escrituras.
João Pedro Martins, Sociólogo das Religiões
Sem comentários:
Enviar um comentário