quinta-feira, 21 de maio de 2009

"Mãe, o que é ser sexy?" Como falar de sexo às crianças

Inês Barbosa é mãe, tem cinco filhos e a sua menina mais nova tem apenas nove anos. Admite que não é uma pessoa muito aberta em matéria de sexualidade. Mas até para uma mãe mais liberal a pergunta "Mãe, o que é ser sexy?" pode provocar um momento de embaraço. Inês optou por responder de forma descomplicada. "Usei um exemplo dos Morangos com Açúcar para que ela entenda", explica a própria ao i.De onde vêm os bebés? É possível engravidar com um beijo? O que é que o pai e a mãe fazem à noite no quarto? Estas são algumas das dúvidas que desde cedo começam a povoar a imaginação dos mais novos.Fórmulas para lidar com o assunto há muitas, mas numa coisa os especialistas concordam: é preciso encarar o tema com a maior naturalidade. Sem tabus."Não banalizando demasiado o assunto, é preciso fazer com que eles sintam que podem contar com os pais se tiverem perguntas difíceis", defende Rita Jonet, psicóloga educacional. Estar à vontade é mesmo a melhor solução. Bruno Inglês, psicólogo clínico e sexólogo, deixa outro conselho: "Não se deve ter medo de adiar as respostas. Se um progenitor é confrontado com uma pergunta, poderá com naturalidade responder: 'O pai não sabe bem responder a isso, mas vou procurar saber e amanhã já te dou uma resposta.' Ou avançar com uma resposta simples e concreta."No entanto, muitos pais ainda não estão preparados. Primeiro é preciso "não terem a pretensão de dar lições aos filhos, respeitando em absoluto a privacidade deles, mesmo quando a angústia nos empurra para diários ou telefones", avisa o sexólogo Júlio Machado Vaz. Os pais devem actuar "através do exemplo", acrescenta Daniel Sampaio. A primeira angústia é saber quando tocar no assunto pela primeira vez. "Deve aproveitar-se, por exemplo, uma imagem na televisão para responder a perguntas", aconselha.A partir dos quatro anos são as próprias crianças que começam a fazer as perguntas. "Se por volta dos seis, sete anos, não tocarem no assunto, é porque algo se passa. E devem ser os pais a propiciar a conversa", diz Rita Jonet. A abordagem é um passo importante. Muito facilmente um adolescente se retrai ao sentir-se invadido ou envergonhado. O pediatra Gomes Pedro explica que há formas de contornar esses sentimentos. Até porque a educação sexual não é convocar os filhos para uma reunião formal, com uma ordem de trabalhos cujo ponto um é o sexo. "Educar para a sexualidade em casa é promover os afectos, os vínculos, formar para a empatia, para o altruísmo e para o respeito pelo outro."Tudo isto com um toque de espontaneidade. "Desde o princípio, os jovens devem sentir-se à vontade para apresentar as suas dúvidas. São importantes as conversas à hora das refeições e a criação desse espaço de diálogo", acrescenta o pediatra.A maneira como os pais educam sexualmente as crianças vai ser determinante na vida futura. "Interferirá nas relações físicas e emocionais de todo o tipo, na própria relação com os pais, com o seu corpo, com o corpo dos outros. Aprender a respeitar quem está ao seu redor e saber ler melhor as suas emoções", explica Rita Jonet. O grande perigo é que eles aprendam mal. "Nessas idades, o sexo pode ser algo muito traumatizante, caso seja visto como um comportamento selvagem e primário. Há que fazer-lhes perceber o outro lado do sexo - o lado dos afectos."A verdade é que nem sempre é fácil fazê-lo. "Já tive pais no meu consultório que pensam que a melhor maneira de explicar o assunto é mostrar ao vivo", conta a psicóloga educacional. Outros vão pela via mais complicada: "Pedem-me manuais e livros, quando o assunto não pode nem deve ser intelectualizado", defende.O pediatra Lincoln Justo Silva acredita que os medos dos pais têm muito a ver com a sua educação enquanto crianças, num momento em que o mundo e a sociedade eram diferentes. "Está relacionado com os seus estereótipos, educação, mas também falta de formação. É um tabu que temos de ultrapassar. Hoje é dever de um pai informar-se e saber esclarecer o seu filho", afirma. Rita Jonet vai mais longe e acredita que não saber lidar com estas matérias é simplesmente uma questão de "insegurança" dos pais.Depois há a falta de tempo, que, segundo Daniel Sampaio, "é preocupante e exige um maior envolvimento da escola". É importante que os pais saibam qual o seu papel. É natural que um adolescente se sinta mais à vontade para discutir assuntos relativos à sua sexualidade com os amigos, ou com alguém com quem não tenha vergonha. E é aqui que se constrói a divisão entre o que se pode fazer em casa e o que só se pode fazer na escola. É discutível qual deles é o mais importante, mas é consensual o facto de serem complementares. "O que não deve haver são dois mundos separados", diz Gomes Pedro.Em casa, Casimiro Loureiro tenta aplicar essas recomendações, diariamente, com a filha de 16 anos: "A abertura é total, assente nos princípios científicos e morais da sociedade. À medida que as perguntas foram surgindo, a abordagem foi mudando. Inicialmente usámos metáforas e depois fomos explicando melhor."Contudo, é inevitável que algumas perguntas deixem os pais menos à vontade. "Quando falámos sobre a origem dos bebés, ela pedia-me: 'Mas explica-me como se faz!', o que é um pouco mais complicado", graceja.Quanto às metáforas, depende sempre da maturidade da criança. "Metáforas como a da cegonha que traz os bebés constituem estratégias típicas. Tudo é válido", defende Gomes Pedro. Mas aqui nem todos estão de acordo. Há quem defenda que as metáforas são de evitar. "Abrir mão da história da cegonha e percorrer o caminho entre o encontro das duas sementinhas, até às precauções contra uma gravidez não desejada e às doenças sexualmente transmissíveis", contrapõe Júlio Machado Vaz.Há quem até dê dicas. Quando estava grávida, Rita Jonet recorda que explicava ao filho mais velho que "o irmão estava numa piscina muito quentinha a preparar-se para se juntar à família". Durante a infância, a abordagem foi sempre muito informal. Porém, com a adolescência houve mudanças: "Eu e o meu marido optámos por uma via mais formal, em que a minha filha falava comigo e os dois rapazes com o pai", lembra.No fundo, "não existe uma fórmula mágica aplicável a todas as situações", como defende Bruno Inglês. "É fundamental respeitar o próprio ritmo da criança e não forçar a abordagem de determinados assuntos sem que esta manifeste dúvidas e faça perguntas." Independentemente de todas as abordagens, uma coisa é certa, como sublinha Júlio Machado Vaz: "Ficaremos sempre aquém dos pais perfeitos que desejaríamos ser."
ionline .Rosa Ramos e Nuno Aguiar, Publicado em 21 de Maio de 2009

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