segunda-feira, 4 de maio de 2009

Com Muito Prazer

O Príncipe encantado afinal existe? Será que vale a pena suspirar pelo Homem Ideal? Ou esperar que aquele que pensamos ser o homem da nossa vida nos venha bater à porta? Os contos de fadas dizem que sim, mas os contos de fadas estão fora de moda. As princesas já não passam o dia fechadas em castelos, já não há dragões nem bruxas de verruga no nariz e as madrastas maléficas são como os cigarros: estão out. O cavalo branco foi substituído pelo carro, o castelo de sonho por um T3 e já ninguém acredita nem em ter muito filhos, nem que pode ser feliz para sempre.
AS NARRATIVAS clássicas são perversas: os amantes nunca estão juntos, e se tão raro momento de sorte acontece, logo pagam as favas e com juros. O perigo espreita de cada vez que uma donzela se apaixona e só o homem tem um papel activo: é ele que tem de lutar contra monstros e inimigos, de ultrapassar pontes incendiadas e de subir a torres sem escadas, enquanto a desgraçada espera, espera, espera, bordando, cantando e aborrecendo-se de morte. Pergunto-me como é que em nenhuma destas histórias houve um príncipe suado, faminto, despenteado, roto e exausto, que ao chegar perto da sua querida não tenha dado com ela morta de tédio. Antes a morte do que tal sorte. E de cada vez que ela tenta escapar, cabe-lhe o destino de Rapunzel, que foi condenada a vaguear por montes e desertos, sem tecto nem honra. Já a mãe de Rapunzel fora castigada pelo pecado da gula ao invejar as delícias da horta no quintal da bruxa quando estava grávida, razão pela qual teve de entregar a menina à vizinha malvada. A única ilação interessante desta história é o reencontro dos dois apaixonados: ela consegue curar a cegueira do príncipe com as suas lágrimas de amor. Isso sim, pode ser visto como um símbolo de redenção, aquela velha ideia de que as mulheres salvam os homens, de que eles por elas querem sempre ser pessoas melhores.
O VERDADEIRO príncipe é o que não precisa de lutar pela sua princesa todos os dias; ele chega a casa e junta-se a ela para resolver os problemas que forem precisos. Está presente, todos os dias, para o que der e vier. E quando é preciso matar um dragão ou enfrentar uma bruxa; ambos concertam uma estratégia para repor a ordem. O verdadeiro príncipe não está sempre a precisar de se ausentar para pensar bem naquilo que quer; ele sabe o que quer e, uma vez tomada a decisão, segue o seu instinto com coerência e consistência.
Talvez a sua maior qualidade, ao contrário dos príncipes confusos e indecisos, é não ter medo de ser feliz. Ele sabe que ser feliz dá trabalho, requer investimento, obriga a tempo e apela à disciplina. Ele tem consciência de que a sua donzela, tal como qualquer outra mulher, é complexa, mimada, caprichosa, por vezes infantil, não raro insegura e de vez em quando insuportável. Mas ele também sabe que gostar dela é aturá-la com os defeitos e aproveitar ao máximo as suas qualidades.
O VERDADEIRO príncipe tem poucas dúvidas, opera segundo o princípio da determinação. Já os outros, os que andam a brincar ao Homem Ideal, são escravos da hesitação; precisam sempre de mais um tempo. Meus amigos, tempos dão-se no futebol. Um homem que se preze, ou quer ou não quer. É pegar ou largar.
É mesmo verdade que as mulheres aprendem a viver melhor com a idade? Depende. Se tiveram alguma sorte e se não forem obcecadas pela juventude, ajuda. O espírito não envelhece com as primeiras rugas nem se cansa de sonhar. Aliás, é no dia em que se cansa de sonhar que começa e envelhecer. O espírito prevalece. Como cantavam os Waterboys, ‘spirit lives when man dies’, e ainda bem. Antes e depois da carne somos espírito e é isso que nos agarra a esta e a outras vidas.
Conheço bastantes mulheres cuja forma de olhar para a vida e de a viver mudou depois dos 40. Ficaram mais fáceis, mais brandas, menos complicadas, mais seguras, mais fortes. E, por isso, muito mais atraentes para os homens. São mulheres que conseguiram aprender a desligar o ‘complicómetro’, esse dispositivo invisível e misterioso que nasce connosco e que tantas vezes nos mete em grandes embrulhadas, existenciais e não só. O complicómetro é o que nos faz exigir mais dos homens do que eles nos podem dar, desejar sempre o que não se tem, almejar o remanso da vida de casada quando estamos solteiras e vice-_-versa, invejar os filhos das outras enquanto ainda não parimos e depois olhar para as máquinas de roupa de uma casa de família e sonhar com uma carreira hippie em Bali fora de época, embirrar com os pequenos defeitos da cara-metade e esquecer porque é que nos apaixonámos por aquela pessoa, discutir com a melhor amiga por coisas sem importância, perder a paciência com os filhos quando os vemos a fazer os mesmos disparates que cometemos quando tínhamos a mesma idade, maldizer as pequenas contrariedades da existência e não valorizar o que a vida tem de bom.
Quando divido a minha existência em décadas, o que melhor recordo é a solidão e a confusão típicas da adolescência, o fulgor e o zapping dos 20 anos que acompanham a primeira fase da vida adulta e as grandes ambições e realizações dos 30, quase sempre temperadas com paixões de caixão à cova e grandes trambolhões sentimentais.
Depois dos 40, por uma razão ou outra, as águas acalmaram e o caudal tsunâmico que me vinha guiando abrandou. Depois dos 40 já ninguém corre atrás de ninguém, já ninguém se mata por nada, já ninguém no seu perfeito juízo embarca em sonhos impossíveis de realizar. E, por isso, tudo se torna mais simples.
Uma mulher que aprende a desligar o complicómetro vive mais bem disposta muitos mais dias por ano. Não perde tempo a tentar mudar os outros nem se aborrece com o que não consegue mudar. Não está sempre a criticar nem a deitar abaixo quem tem ao lado, queixa-se pouco e olha para a vida com bonomia. E quando se queixa é porque tem razão, o que faz com que seja ouvida com atenção. Uma mulher descomplicada é uma bênção para os outros, mas sobretudo para a própria. Atenção: nada de confundir uma mulher descomplicada com o género boneca pau-mandado sem personalidade nem voto na matéria, que faz tudo o que um homem quer, estilo banana com olhos.
Uma mulher descomplicada é acima de tudo alguém que sabe o que quer, que percebe o que querem os que ama e que aprendeu a defender-se do que não a faz feliz. Em última análise, é alguém que também sabe o que não quer e que aprendeu a dar a volta. E já agora por cima, que é uma forma elegante e muito feminina de dar uma ou mais voltas à vida.

Há pouco tempo um grande amigo queixava-se que as mulheres só são interessantes durante a fase da sedução. Uma vez instaladas, arrumadas na vida, casadas ou acasaladas, entregam-se à inércia, ao sofá, às lides domésticas, à tensão pré-menstrual, aos pequenos dramas do emprego, aos caprichos dos filhos e à vidinha em geral, esquecendo-se de tudo o resto.
Tive vontade de lhe responder: então e os homens? Uma vez instalados, não fazem o mesmo? Não deixam que a barriga se expanda, não se tornam obcecados com o futebol e com o comando da televisão, não passam o tempo na net e fora desta a olhar para as pernas e para os rabos das outras?
Era a resposta mais óbvia, mas também aquela que não me levava a lado nenhum. E eu gosto sempre de chegar a um lugar qualquer.
Um dos truques que a vida me ensinou nas relações amorosas é o de viver cada dia como se fosse o primeiro e cada noite como se fosse a última. Mesmo quando estou cansada, mesmo quando a rotina estende os seus tentáculos asfixiantes e cancerígenos, mesmo quando ele se esquece de passar o lavatório por água depois de ter feito a barba, mesmo quando a única coisa que me apetece é enterrar a cabeça num livro e viajar para um mundo onde só se ouvem os meus pensamentos.
Cada dia tem 24 horas, se dedicarmos uma hora ao nosso amor, podemos operar milagres. Às vezes basta um sorriso, uma piada, um gesto de cumplicidade, uma mensagem bem disposta, um e-mail curto mas sincero, um mimo, uma surpresa e tudo se transforma. Não é assim tão difícil quanto parece: trata-se mais de uma questão de estilo, de atitude. Há muitas mulheres que cruzam obstinadamente os braços, queixando-se da falta de iniciativa dos seus pares quando elas próprias não mexem um dedo para os agradar. E não é assim tão difícil agradar a um homem, sobretudo se já o conhecemos. Basta um bocadinho de imaginação misturada com bom senso.
Manter o charme e o espírito de sedução ao longo de uma relação é um full-time job sem remuneração à vista, mas que a longo prazo poderá dar os mais belos frutos. É como educar os filhos e cuidar dos nossos pais; já que faz parte da nossa natureza gregária, ao menos que seja feito com amor e com qualidade. Como professava uma campanha das Pousadas de Portugal há muitos anos: já que vai estar casado para toda a vida, faça de cada fim-de-semana uma lua-de-mel. Com a crise instalada viajar todos os fins-de-semana só é possível para as estrelas de cinema, mas o princípio pode ser seguido sem sair da própria cidade, ou, às vezes, sem arredar o pé de casa. É tudo uma questão de espírito e de onda. E o espírito é como tudo, também se educa, também se treina.
Quando somos pequenos e nos deitam aquele veneno na sopa que diz ‘e depois casaram, tiveram muitos filhos e foram muito felizes’, esqueceram-se de nos explicar que a palavra que deveria aparecer a seguir era ‘início’ e não ‘fim’. Depois da casa montada, da festa rija, do dia perfeito e da viagem de sonho, depois dos presentes de casamento arrumados no armário, é preciso arregaçar as mangas e investir no dia-a-_-dia e viver cada manhã como a primeira em que acordamos com a pessoa certa ao nosso lado e cada noite como se fosse a primeira em que a temos só para nós.
Utopia ou não, mais vale investir no que é bom e deixar o comando de lado e o computador desligado e viver plenamente o outro, como se fosse a última vez.

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