segunda-feira, 11 de maio de 2009

O traidor

Não vou falar da infantil guerra de pedidos de desculpas posterior ao episódio que envolveu Vital Moreira. Fico-me pelo óbvio: que a cena foi absolutamente lamentável, que prejudicou, antes de mais, a CGTP e que o PS já esticou demasiado a corda da novela. Recorde-se que, nas últimas europeias, um episódio bem mais trágico não mereceu o mesmo aproveitamento geral. E que um dos principais protagonistas dos desacatos de Matosinhos é hoje, veja-se lá, chefe de gabinete de António Costa. Por isso, talvez não fosse mau perceber onde acaba a justa indignação e começa a campanha eleitoral.
De toda a cena, retive uma palavra dirigida a Vital Moreira repetida por vários manifestantes que, ao que se sabe, tinham várias colorações políticas: "traidor". É talvez dos insultos mais esclarecedores. Não esclarecem nada sobre a pessoa a quem se destina, mas tudo em relação a quem o usa.
O traidor não tem de ter sido 'desleal' ou 'oportunista'. Antes se pressupõe que aquela pessoa não pertencia a si própria. Que as suas ideias, as suas prioridades, as suas inquietações e o seu activismo político não eram na realidade seus. Ou seja: que o processo individual que levou Vital Moreira a ser comunista ou a ser revolucionário não foi o mesmo que o levou a deixar de o ser. É a ideia tribal de que aquela pessoa nos pertence. E que, quando nos abandona, passa a proscrito. Que um indivíduo é apenas uma parte do grupo e que, fora dele, perde a sua identidade original. E pouco interessa se o grupo é o partido, a pátria, a igreja ou a empresa. A violência da apropriação do outro é a mesma.


Daniel Oliveira

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