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quarta-feira, 15 de julho de 2009
As sete questões essenciais da guerra no Afeganistão"
História "O Afeganistão está em guerra há 30 anos. Essa guerra destruiu totalmente o país, todas as suas infra-estruturas e a sociedade. O grande problema é que o país não existe. Não há instituições, não há infra-estruturas. É um país pulverizado literalmente a todos os níveis e isso ajuda a explicar o problema que existe hoje em dia. Exceptuando breves períodos, é uma história trágica e violenta. Embora exista no mapa, é um país que raramente existiu. O Afeganistão é uma colecção de tribos, num território geograficamente muito difícil e tradicionalmente lida mal com a presença de estrangeiros." Intervenção dos EUA "Ao longo da historia o que não faltaram foram potências estrangeiras a tentar interferir nos assuntos internos de Cabul. A história mostra que todas essas intervenções não acabaram bem, em grande medida devido à natureza da sociedade afegã que lida mal com a presença de estrangeiros. Ponto número dois: a situação em 2001 era tão má, que a intervenção dos EUA e depois da NATO foi bem recebida e, aliás, sancionada pela ONU. Isto levou a uma situação onde o contraste com o Iraque era muito grande. O unilateralismo no Iraque, o multilateralismo no Afeganistão. O mero facto de a operação ter sido multilateral levou muita gente a pensar que seria fácil e barata. Não há nada na história do Afeganistão que justifique esta ilusão benigna. Nada. O desejo de criticar a administração Bush, levou muitas pessoas a verem na operação do Afeganistão um modelo para o futuro. Isto foi especialmente claro nos países europeus que julgaram que poderiam desempenhar uma missão que é importante sem pagar um preço muito elevado. Essa ilusão caiu e é aí que nós estamos hoje. Ponto número três: a geografia ajuda a explicar a enorme dificuldade das operações militares no Afeganistão. Trata-se de um país que praticamente não tem estradas e as estradas que tem são péssimas. Andar a 60 quilómetros por hora é um luxo. Por isso, do ponto de vista militar, quem não tem asas tem enormes dificuldades nas operações militares. Isto ajuda a explicar as grandes dificuldades que os militares enfrentam. Mais de metade da população do país vive em aldeias com menos de trezentas pessoas. Ao contrário do que acontece no Iraque, o Afeganistão não é uma sociedade urbana. É uma sociedade completamente pulverizada, dividida em sítios distantes, onde é muito difícil manter operações como as que a NATO e os EUA estão a fazer, durante muito tempo de forma consistente. A fronteira com o Paquistão só existe no mapa e é muito difícil realizar operações militares num país em que existe um santuário vizinho."Talibãs "Foram bem recebidos pela população quando a meio da década de 90 conquistaram Cabul e isto mostra bem o estado em que o Afeganistão estava na altura. Continuam a ter grandes apoios em algumas das tribos, principalmente no sul e no leste do país, que são as zonas onde a NATO e os EUA têm tido mais dificuldade e são também as zonas da fronteira com o Paquistão. Isto apesar de os talibãs não serem nada populares em alguns sectores da sociedade afegã: foi isso que os fez perder o poder em 2001. Entretanto, perceberam que não podiam vencer os EUA de forma convencional, reagruparam-se e estão claramente de volta, em parte por terem o apoio militar de algumas tribos do país, nomeadamente os pashtuns."Al-Qaeda "Hoje em dia, no Afeganistão, está morta. E isso levanta uma questão muito interessante do ponto de vista estratégico que é saber qual é o objectivo no Afeganistão. É impedir a Al-Qaeda de voltar a planear ataques contra os EUA e os países europeus? Ou é impedir os talibãs de voltarem ao poder? São objectivos estratégicos completamente diferentes e que exigem soluções militares e políticas diferentes. A resposta a essa pergunta não é clara."Estratégia militar "Após 2001 houve um festival de objectivos no Afeganistão, que passaram pela democratização acelerada do país, o que me causa alguma perplexidade porque não sei como é é possível ser céptico em relação à democratização do Iraque e ser optimista em relação ao Afeganistão. Está-se numa fase de ajustamento drástico da estratégia e penso que a administração Obama anda entre dois objectivos - o contra-terrorismo e a contra-insurreição. O primeiro seria apenas uma luta contra a Al-Qaeda, o que exigiria uma pegada militar relativamente pequena e unidades militares de forças de operações especiais e forças da CIA. A contra-insurreição, exige uma doutrina diferente daquela que tem sido usada até agora. O Afeganistão vai exigir muito tempo para ficar num estado aceitável."Forças Afegãs "Até muito recentemente o exército do Afeganistão não existia. A polícia afegã nunca existiu e continua a não existir. Isto tem uma fragilidade enorme numa doutrina de contra-insurreição, porque um país com a história do Afeganistão não tem a mínima hipótese de se tornar estável apenas com a contribuição dos militares estrangeiros. O que se está a fazer é meramente comprar tempo, para que uma solução indígena, por assim dizer, uma solução interna apareça. É uma corrida contra o tempo. O que seria Portugal sem polícia? Não é possível. Enquanto o Afeganistão não tiver polícia e exército competentes, vão continuar a existir enormes problemas. Tem existir o mínimo de ordem, já não digo lei porque a justiça também não existe. Houve uma ideia de ser a União Europeia a treinar a polícia afegã, aliás a Alemanha tentou fazer isso e falhou clamorosamente. Perderam-se oito anos. É preciso não esquecer que que estamos há oito anos no Afeganistão. Oito anos é quase o dobro da segunda Guerra Mundial."Saídas possíveis "o primeiro cenário é ter muita paciência, objectivos modestos e esperar. Terá que se gastar imenso tempo, dinheiro e meios para tentar reconstruir uma economia. O segundo cenário é abandonar e passar apenas a ter uma missão de contra-terrorismo. Ou seja, impedir que o Afeganistão alguma vez possa voltar a ser usado pelas forças da Al-Qaeda e seus aliados para um santuário para planear e executar ataques terroristas em larga escala contra os principais países do sistema internacional. Abandonar seria péssimo para a imagem da NATO, que elegeu, do meu ponto de vista, insensatamente, o Afeganistão como a sua principal razão de ser. Seria mau também para os EUA. Ao adoptar uma estratégia de contra-insurreição é altamente provável que o número de baixas entre europeus e norte-americanos venha a aumentar."
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