Manuel Pinho teve um gesto errado. Mas a dimensão ética que se lhe exige com total intolerância, não se ponderando sequer a aceitação de um pedido de desculpa, deve ser exigida a todos os deputados. E todos sabemos que algumas graçolas frequentemente lançadas para o ar por alguns deputados no calor dos debates também estão para além dos limites. O próprio debate de ontem sobre o estado da Nação - nem de propósito um incidente destes num debate como este - teve momentos muito tristes, de parte a parte, com acusações de mentira e apartes de mau gosto.
A vida política portuguesa está num enorme estado de crispação que pagaremos muito caro depois das eleições, quando previsivelmente chegar a hora de estabelecer consensos que se prevêem muito difíceis. A qualidade da nossa democracia atravessa um dos períodos mais baixos, e não vale a pena atribuir culpas a este ou àquele partido. As culpas repartem-se e é preciso dizer que o combate político não justifica tudo. E se o rigor dos deputados e do primeiro-ministro se justifica perante o infeliz gesto do ministro da Economia, se esse rigor não esconde uma enorme hipocrisia, então temos nós todos a responsabilidade de apontar o dedo a atitudes com que vamos convivendo: erros graves, mentiras, omissões, não reconhecimento de méritos políticos a quem o tem, etc. etc.
Manuel Pinho foi um dos melhores ministros deste Governo. Plano tecnológico, grandes esforços na indústria e na área das novas energias ficam a seu crédito. Algumas hesitações de discurso evidentes desde o primeiro dia revelavam a personalidade de um técnico sem experiência política. Foi essa inexperiência que ontem o traiu, curiosamente perante um deputado que há tempos insultara a nossa inteligência defendendo a democracia da Coreia da Norte, uma afirmação tão risível quanto condenável foi o gesto de ontem de Manuel Pinho. Um gesto condenável mas que foi, tão-só, uma reacção a quem apoucava o seu esforço para garantir postos de trabalho.
O país já conviveu no início conturbado da era democrática com um primeiro-ministro que, de uma varanda do Terreiro do Paço, mandou para "aquela parte" um conjunto de manifestantes. As consciências dos senhores deputados estarão hoje tranquilas e satisfeitas, desde a do deputado Rangel que cedo se ufanou de "ter sido o primeiro" a pedir a cabeça do ministro, até à do bloquista Luís Fazenda, que diz que este "ícone" perseguirá o primeiro-ministro. Pena foi que Sócrates não tivesse resistido a defender o seu ministro, condenando-lhe o gesto, mas poupando-o. A verdade é que Governo e Oposição já só pensam em eleições. Governo e Oposição já só pensam em ganhar posição. Aí reside a hipocrisia de todos. Pensando no país, talvez o ministro não precisasse de ser demitido e talvez os debates tivessem mais nível. Numa palavra: talvez o estado da Nação fosse outro.
jn
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